Eu vou, atrás do trio-elétrico vou. Com uma gente toda misturada fantasiada e sem máscaras. Porque no Carnaval todo mundo pode tudo o que quiser e, claro, não fizer mal a ninguém. É o rico ao lado do catador de latinhas e seu cachorro, o vendedor de cerveja, o pesado, homem e mulher fundidos, preconceito esquecido. Por que então esse clima não perdura? Por que o brasileiro não consegue depois de quarta-feira ter essa tolerância, essa empatia, essa leveza?
No Carnaval as fronteiras do humano se desfazem e se despedaçam porque todos viramos uma coisa só. Porque estamos ali todos pelo mesmo objetivo, todos querem algo bom, querem se fazer bem. Não seria esse então um ótimo ponto a ser alcançado nos outros dias do ano?
Quando alguém fala que nós merecemos o Carnaval é a mais pura verdade. Mas não merecemos então manter o que ele traz de bom? Por que o sorriso fácil e a amizade instantânea só acontecem durante a festa? Isso não tem a ver com estar animado ou com uns bons drinks na cabeça. Isso tem a ver com quem somos sem máscara.
Por que então esse clima não perdura? Por que o brasileiro não consegue depois de quarta-feira ter essa tolerância, essa empatia, essa leveza?
Se é no Carnaval que a gente coloca tudo para fora, é lindo pensar que toda essa coisa boa está dentro de nós. As trans maravilhosas dando surra de samba, as afeminadas de maiô enfiado no bumbum e meia-calça, as musculosas de S&M e toda essa infinita infinidade infindável que a criatividade ilimitadamente ilustrada irradia em corpos coloridos cooperando uns com os outros.
O elogio à fantasia de alguém pode se transformar em uma rotina em seu convívio. Elogie, daqui a sei lá quanto tempo, mas elogie como você faz quando vê alguém arrasando na montação no meio da rua, deliciosamente política, cheia de mensagens, essencial.
Porque no Carnaval quando alguém chega do nosso lado dançando e começa a sorrir a gente sorri de volta na mesma hora. Porque no Carnaval a gente segura a porta do banheiro químico para quem pedir, a gente concorda na cara feia por causa do cheiro e termina tudo rindo de tudo aquilo – com todo mundo conseguindo seu objetivo.
Qual seria o segredo para levar tudo isso para as nossas vidas cotidianas? Já que muito infelizmente não podemos ter um Carnaval que dure o ano todo com sua festa, que o brilho, não do glitter, mas da nossa alma leve e sorridente fique conosco. Que o fato inegável de que até dezembro a gente acha glitter pela casa deve também ser no sentido subjetivo. Gente não é para brilhar?
Se é no Carnaval que a gente coloca tudo para fora, é lindo pensar que toda essa coisa boa está dentro de nós.
No Carnaval a gente amassa a latinha vazia porque sabe que vai facilitar a vida de quem precisa dela para ganhar dinheiro. Que tal se a gente levasse essa consciência ambiental e social para todos os outros dias? O Brasil precisa olhar para o Carnaval com menos crítica ou deslumbramento e mais vontade de aprender lições.
Porque muitas são as lições de vida e para a vida que um Carnaval pode nos trazer. E ele traz para quem está atento. Aquela pessoa com deficiência que você ajuda na multidão, dando aquela parada na galera em volta para ela passar, ela também precisa disso no resto do ano. Preste atenção, nada nos deixa mais humanos do que essa alegria coletiva porque estamos abertos a nos conectar sem barreiras, julgamentos, castas.
Sabe aquele cara afeminado que está maravilhoso com sua fantasia de Lady Marmelade? Ele também é maravilhoso de calça jeans e camiseta indo trabalhar. Você só está vendo em uma lente de aumento como é a alma dele – colorida, feliz, de bem consigo mesma. Mas nos outros dias do ano ele precisa colocar o uniforme que a sociedade dita.
É emocionante parar para pensar nisso. Quando a gente coloca tudo para fora o resultado é uma explosão invejada no mundo todo. Sem querer esbarrar em clichês, mas somos (também!) esse povo lindo e festeiro sim. E eu tenho o maior orgulho quando alguém que não é brasileiro vem falar disso comigo, desse calor no sangue, dessa cor.
Preste atenção, nada nos deixa mais humanos do que essa alegria coletiva porque estamos abertos a nos conectar sem barreiras, julgamentos, castas.
Eu até hoje me lembro de um amigo canadense que ficou chocado quando me viu usando verde e azul ao mesmo tempo. No outro dia coloquei uma camiseta florida. Ele entendeu que a gente é cor, várias cores. A gente não tem medo de brilhar no Carnaval e não precisamos ter medo de brilhar fora dele – infelizmente sem fantasia (imagina ir trabalhar todo dia cheio de glitter que lindo).
Para quem vai descansar, bom descanso.
Mas para quem vai se misturar, dançar, suar e descer até o chão no meio da rua, por favor, não se esqueça da beleza que existe além da fantasia, não deixe de aprender com os pequenos atos que a pipoca carnavalesca te motiva. Afinal, nada é melhor do que as lembranças do último Carnaval para a gente aguentar a vida até o próximo.
Alex Vichini
21/02/2020 18:25
Gostei do cuidado com cada assunto abordado. Deu riqueza aos detalhes de cada um, ressaltando a energia e características.
Ganhou mais um fã!