Lucas Raniel usou as fofocas como ponto de partida para informar com propriedade sobre o HIV
Há cerca de seis anos, Lucas Raniel descobriu que vivia com o vírus HIV e caiu na boca do povo na cidade onde morava, Ribeirão Preto, ao contar sobre sua condição para algumas pessoas. Além de comentários maldosos, e desnecessários, também foi vítima de difamação, sendo acusado de transmitir o vírus para outras pessoas.
Mas o que poderia derrubar Lucas se tornou o motivo pelo qual, hoje, ele é uma das figuras jovens mais conhecidas para falar sobre HIV e Aids no Brasil. Em vez de se abater, decidiu colocar a cara na câmera do celular e espalhar informação de qualidade para seus mais de 23 mil seguidores.
O melhor remédio contra o preconceito usado com o poder de amplificação das redes sociais. “A gente tem que deixar isso tudo muito claro para a população. Nosso grande problema atualmente para o HIV e a Aids no Brasil é a falta de informação”, conta na entrevista a seguir:
Por que você decidiu falar abertamente sobre o HIV?
Em dezembro de 2013 eu descobri que eu vivo com HIV e em determinadas situações que eu vivenciei após descobrir eu fui vendo as reações das pessoas, principalmente dos caras que eu me relacionava na época e fui contando. Contei para uma pessoa, teve uma reação, algumas se afastaram, outras não, mas com o tempo começaram a se afastar e começou a rolar uma fofoca na cidade onde eu morava, Ribeirão Preto. As pessoas começaram a falar ali no meio LGBT que eu estava passando Aids para outras pessoas. Estavam rolando fotos minhas em grupos de WhatsApp falando isso. Depois dessa exposição e desse preconceito que rolou comigo, eu me perguntei por que as pessoas estavam fazendo aquilo, não achava aquilo necessário. Não tinha necessidade de elas exporem a condição das pessoas que vivem com HIV. Em seguida eu vi que estavam todos falando sobre mim e decidi: “quer saber? Eu mesmo vou contar para todo mundo”. Então eu fui ao Facebook e criei um texto explicando que hoje em dia o HIV já não é esse bicho-de-sete-cabeças que as pessoas demonizam. Falando que eu estava vivendo com HIV desde 2013 e quem quisesse, se sentisse confortável, poderia vir falar comigo. Com isso começou a chover pessoas me mandando mensagem me parabenizando e eu senti a necessidade de falar mais sobre o assunto. Comecei a compartilhar posts da Unaids, da Agência Aids, de alguns lugares que eu lia com frequência e as pessoas começaram a se informar mais sobre o assunto. Foi onde eu realmente decidi colocar a minha cara e comecei a fazer posts para falar sobre isso. Foi na época da chegada do Instagram, que começou a ficar um pouco mais forte com as pessoas se comunicando ali em frente à câmera. Comecei a falar sobre isso no meu perfil e tomou uma proporção muito grande, com mais pessoas me seguindo.
No começo deve ter sido difícil por causa do preconceito, não?
O começo disso tudo foi uma loucura porque algumas pessoas me apoiavam, me falando que eu era corajoso e que eu tinha que fazer isso mesmo. Ao mesmo tempo, outras pessoas que também vivem com o HIV, e também outras que não vivem, falavam que eu estava me expondo demais, que isso ia dificultar a minha vida, o trabalho, que as portas iriam se fechar, que eu não teria relacionamentos. E realmente isso aconteceu. Eu vivenciei isso tudo. Ou seja, aconteceu por exemplo em uma entrevista de emprego. Depois eu fiquei sabendo que a pessoa que me entrevistou não me contratou porque eu falo abertamente disso. E que isso poderia gerar um desconforto ou algum tipo de prejuízo para a empresa porque as pessoas pensam que quem vive com HIV precisa ir o tempo todo ao médico, o que não é verdade. Eu tive esses processos muito chatos de aprendizado. Eu consegui ver todos os lados. O lado da pessoa que gostava do meu trabalho e que se espelhava em mim e me incentivava, mas tinha também o de pessoas que me colocavam para baixo.
Como é em geral a recepção das pessoas, deixando de lado os preconceituosos, claro.
A recepção das pessoas é basicamente essa. Elas vêm e parabenizam, dizem que eu tenho uma coragem que elas não têm. Mas eu digo que você não precisa ter essa coragem, acho muito bom quem quer fazer, informar, desde que estude e tenha o conhecimento atualizado para não propagar informações retrógradas ou gerada pela cultura do medo. Eu acho muito interessante quando a pessoa se instrumentaliza para poder comunicar dessa forma mais clara, mais leve. Eu procuro ter um método de comunicação muito espontâneo, muito do dia-a-dia, não é só sobre saúde. As pessoas vão ver o meu cotidiano, as pessoas que eu conheço, gente com quem eu estou conversando e falando sobre o universo da Aids no Brasil.
Por que mesmo na era da informação ainda infelizmente os casos de aids crescem? É preciso informar melhor?
Pois é. Na era de tanta informação digital, de acesso a tantas informações, por que não acessar também as informações sobre HIV e Aids? Por que não irem ao cinema assistir filmes como o “Carta para além dos muros”, que conta toda essa trajetória? A maneira que a gente deveria pensar e comunicar sobre o tema tem muita importância na sociedade. A gente precisa falar sobre isso, ter essa comunicação ampla também porque tudo está sendo amplificado hoje em dia. Você vê as pessoas falando sobre as suas causas e vivências, então por que não falar também de sexo, de educação sexual, de prevenção combinada do HIV e da Aids? A gente tem que deixar isso tudo muito claro para a população. Nosso grande problema atualmente para o HIV e a Aids no Brasil é a falta de informação.
As experiências são individuais, mas existe algo que todo mundo que vive com HIV deve saber?
As experiências são individuais sim. Todas as pessoas vão ter experiências específicas e individuais, por mais que elas acabem passando por uma mesma linha dependendo do seu comportamento. Algumas pessoas falam que nunca passaram por nenhum tipo de preconceito porque talvez não se exponham a ponto de. Mas também há pessoas que relatam o preconceito, que foram demitidas do trabalho. Eu falo para elas viverem. Temos o tratamento disponível, o serviço público de saúde está disponível para nós que vivemos com HIV. Então cuide da sua saúde, da sua vida, do seu trabalho e da sua mente principalmente.
Na era de tanta informação digital, de acesso a tantas informações, por que não acessar também as informações sobre HIV e Aids?
Como amplificar as vozes pela prevenção do HIV?
A gente tem que se instrumentalizar, a gente tem que estudar e aprender. Ninguém vai saber tudo de uma vez, todos que estão no aprendizado, às vezes há 20 anos, não sabe de tudo. As vivências mudam, as respostas mudam, tudo é muito mutável. É estar em constante estudo para comunicar algo correto e não só sair por aí falando “use camisinha”. Quando eu falo em prevenção sem focar em apenas um método, porque atualmente a gente tem diversos, as pessoas precisam entender essa oportunidade de comunicar tanta coisa legal e interessante.
Instagram @lucasraniel_
Edzley F C Franco
08/11/2019 14:38
Gostaria de ter informações sobre o tal do Prep. Truvada? Você sabe algo que possa me ajudar. Agradeço antecipadamente a atenção. Obrigado
Leandro soeiro
11/11/2019 16:32
Como poderia contar meu relato tb
Redação
11/11/2019 19:25
manda um e-mail para heliofdfilho@gmail.com por favor