Ilustração: Tom of Finland

Você transa com pessoas ou com falos? Quanto do sexo você dedica a sentir o corpo do outro?

Por Klaus Antônio Miranda*

Não sei se vocês já pararam pra pensar sobre isso, mas em nossa sociedade, os homens não recebem carinho. O falo recebe carinho. É por isso que muitos rapazes (cis) estranham quando recebem toques fora dessa zona, principalmente não sexuais. A alcunha da virilidade resume corpos a pintos ambulantes, sempre eretos.

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Você transa com pessoas ou com falos? Quanto do sexo você dedica a sentir o corpo do outro, e quanto tempo você dedica a um lugar específico? Esse comportamento é determinado e estimulado socialmente por uma sociedade doente.

Como os homens aprenderão a ser carinhosos se o carinho é medido, fiscalizado e dedicado a uma parte do corpo que ganhou uma alcunha quase mitológica? Não me surpreende que tem tanta gente que resume sua vivência de gênero a isso. Paus e bucetas ambulantes. Eis o que a cisgeneridade prega.

Aos homens, mesmo que percebam tal incômodo, resta a obrigação de estarem felizes com isso. Afinal, eles ganharam o poder da mitologia entre as pernas. O pedaço de carne que o mundo deseja. E o que resta aos homens trans?

A sociedade espera que estejamos sentindo falta de algo. De fato sentimos falta do carinho, admiração e desejo que é oferecido de graça aos companheiros cisgêneros. Para nós, é imposta uma corrida constante para compensar a “falta” que nos impuseram. Recebemos apenas os ônus da masculinidade. E de nós é tirado inclusive o direito de construirmos nossas próprias noções de masculinidade, afinal já foi repetido muitas vezes, não só para mim, que “toda a masculinidade é tóxica”. Matam a possibilidade antes de ela nascer.

A sociedade espera que estejamos sentindo falta de algo. De fato sentimos falta do carinho, admiração e desejo que é oferecido de graça aos companheiros cisgêneros.

Tenho pensado muito sobre como isso é um dos principais fatores para que sejamos tão suicidados. Afinal, a feminilidade (tóxica) odeia homens e deseja pintos. A sociedade violenta homens e privilegia falos. Tudo que foge ao falo é inferior. Assim, nossos homens trans recebem todo o desejo de extermínio e nenhuma compensação. A passabilidade cria zonas cinzentas que não impedem essa mentalidade coletiva podre de se infiltrar em nossas vidas, nossos subconscientes.

Eu poderia afirmar aqui que toda a cisgeneridade é tóxica e terminar o texto por isso mesmo, mas não acredito nisso. Não acredito em propagar a violência que me infligem, por mais que o façam comigo. Me proponho a ser radicalmente diferente, e me reservo o direito de me retirar de espaços quando percebo que eles reproduzem tudo isso.

Klaus: aos homens, mesmo que percebam tal incômodo, resta a obrigação de estarem felizes com isso.

Acredito sim que as pessoas mudam, e por isso escrevo esse texto. Primeiro, para que meus companheiros transmasculinos possam elaborar sobre essa situação que nos aflige de forma bem subjetiva, e bem venenosa. Há armadilhas por toda parte, e não somos responsáveis por elas, nem por desarmá-las, nem por nos submeter a elas. Deve haver outro caminho, que se não está aberto, abriremos.

Afinal, essa mitologia ainda possuímos. Abrimos caminhos desde que o mundo é mundo. Todos os signos se sentam em nossos colos. Temos o poder de escolher. Não se deixem enganar.

E segundo, para que vocês, pessoas cis que criaram essa doença, recebam a responsabilidade de suas ações. Quem tem o poder estrutural de mudar isso são vocês, começando por si mesmos.

O pinto não é o vilão nem o herói, é só parte do mundo. Desmitifiquem-se e melhorem.

Klaus é homem trans não binário e bissexual e multitalentoso: escritor, grafiteiro, artista visual, tatuador e ilustrador, publica seus trabalhos artísticos no Instagram @kaus.total