Dois pais homoafetivos e três adoções necessárias (Parte I)

Por Toni, David, Alyson, Jéssica e Filipe Harrad Reis*

Escrevemos este relato e estamos compartilhando porque ele mostra que é possível e necessário adotar crianças e adolescentes fora do padrão que tem sido predominante no Brasil. A maioria das crianças e dos adolescentes à espera da adoção não são brancas e não são bebês ou crianças menores. Também demonstra que pessoas homoafetivas são igualmente aptas a serem mães e pais e a educarem com sucesso seus filhos.

Compartilhamos não só coisas boas, como também algumas das dificuldades e o que fizemos para tentar superá-las.

A fim de incentivar a adoção de crianças mais velhas e adolescentes, de diversas etnias e raças e com variadas características, bem como promover o compartilhamento das experiências entre pais e mães adotivos, criamos uma página no Facebook com o nome Adoções sem Acepções. Venha participar você também, para que toda criança e adolescente tenha amor, carinho e proteção de uma família, seja ela de todas as cores e de todos os amores!

Somos um casal gay, Toni Reis e David Harrad. Vivemos juntos desde 1990. Por volta do ano 2000, começamos a discutir a possibilidade de adotarmos filhos. Idealmente, queríamos uma menina e um menino de aproximadamente cinco ou seis anos de idade.

Escrevemos este relato e estamos compartilhando porque ele mostra que é possível e necessário adotar crianças e adolescentes fora do padrão que tem sido predominante no Brasil.

Em 2005, demos entrada na Vara da Infância e Juventude de Curitiba,  onde moramos, a fim de obter a habilitação para adoção conjunta, enquanto casal, assim como um casal heterossexual faria. Para evitar toda a burocracia que isso viria a causar, pela lei cada um de nós poderia ter adotado como solteiro, sem levantar a questão de sermos um casal.

Mas para nós havia dois fatores importantes em jogo: a igualdade de direitos garantida pela Constituição Federal; e o bem-estar das crianças. Se adotássemos separadamente como solteiros e um de nós viesse a falecer, o outro não teria automaticamente o direito da guarda do filho adotado pelo falecido, prejudicando assim a segurança do filho criado conjuntamente pelos dois pais.

Foi então que começou uma luta que durou 10 anos. Nosso caso foi o primeiro em nossa cidade e ao juiz faltava precedentes para embasar a sua sentença. Quase três anos depois decidiu que pudéssemos adotar conjuntamente, mas restringiu a idade e o sexo das crianças. Teriam que ser maiores de 10 anos e somente do sexo feminino.

Depois de consultar amigos e especialistas, chegamos à conclusão de que a decisão do juiz foi discriminatória e recorremos ao Tribunal de Justiça. Na segunda instância ganhamos por unanimidade o direito de adotar conjuntamente sem qualquer restrição.

Depois de consultar amigos e especialistas, chegamos à conclusão de que a decisão do juiz foi discriminatória e recorremos ao Tribunal de Justiça.

No entanto, um promotor do Ministério Público recorreu e levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que casais do mesmo sexo não formam uma entidade familiar e, portanto, não poderiam adotar conjuntamente.

O ministro Marco Aurélio, do STF, rejeitou o recurso porque não dizia respeito à matéria em julgamento, qual seja a restrição quanto à idade e ao sexo das crianças. O ministro Sanseverino, do STJ, só proferiu sua decisão (favorável) em 2014, fazendo com que continuássemos sem poder adotar na nossa comarca de Curitiba neste período todo. Uma demora judicial um tanto cruel, tanto para nós quanto para as crianças à espera de adoção.

Mesmo assim, o promotor recorreu novamente da decisão do STJ e a decisão da ministra Carmem Lúcia, do STF, a nosso favor, foi dada em março de 2015, 10 anos após o início do processo de adoção.

Mas nem tudo estava perdido…

*Toni Reis é pós-doutor em Educação, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, pai de Alyson, Jéssica e Filipe e marido do David