Por Fe Maidel*
Construída a partir de: “Gênero: uma categoria útil de análise histórica” – Joan Scott
As mudanças pelas quais passaram o mundo e a política no século XIX trouxeram à tona a necessidade de se representar a realidade social a partir de novas formas. Isso incluiu, entre outras tantas coisas, repensar o corpo, que precisou ser reinterpretado a partir da ciência que se estabelecia como matriz do conhecimento. Coube à medicina fazer prevalecer a compreensão deste corpo contemporâneo, antes considerado um só com duas variantes, tomando como base a biologia e a anatomia genital, tornando dado incontestável e “Verdadeiro” o sexo biológico constituindo-se, assim, a diferenciação do sexo como masculino ou feminino. (1)
As ciências biológicas, desde então, têm buscado de forma recorrente explicações físicas ou psíquicas para justificar as diferenças entre homens/mulheres, masculino/feminino. Paradoxalmente, o peso e a insistência que as ciências médicas dedicam à justificativa da diferença sexual apontam para uma construção social erigida em favor de manter as mulheres no que se consideraria seu “caminho natural”: ser esposa e mãe, tendo na reprodução o papel fundamental da vida feminina, sendo apenas secundário para a “natureza” masculina. Deste modo, cindindo a existência humana em gêneros que se opõem e completam de forma artificial, já que a anatomia e os fenômenos fisiológicos não têm, por si, elementos suficientes para sustentar este discurso. O que entendemos como “homem” e “mulher” é fruto das realidades sociais e do longo processo de socialização que tornou possível a existência do que reconhecemos como “humano”.(1)
O que entendemos como “homem” e “mulher” é fruto das realidades sociais e do longo processo de socialização que tornou possível a existência do que reconhecemos como “humano”.
Scott (3) explica o uso da palavra “gênero” pelas feministas, em substituição a “mulheres”, permitindo abordagens mais objetivas e neutras, sugerindo que, ao estudar-se “humano”, estuda-se mulheres e homens equivalentemente e que, ao informar sobre um, está-se falando sobre o outro. Indicando sua aversão ao determinismo biológico contido no discurso hegemônico, enfatiza o quanto as diferenças fundamentadas no sexo são, na verdade, de cunho eminentemente social.(3) Sorj (4) complementa essa visão, ao afirmar que gênero não se refere à redução da identidade a algo fixo, estável, mas sim a hierarquias e distinções sistematizadas através das práticas sociais que produzem desigualdades entre homens e mulheres.
Após algum tempo, “gênero” passou a ser visto, por um lado, como uma maneira de lidar com papéis masculinos e femininos construídos socialmente e, por outro, como categoria analítica, permitindo articular formas de falar sobre relações sociais relacionadas ao sexo, pensar outras organizações de poder social além de algo “unificado, coerente e centralizado”(3). Constituiu-se, então, como uma nova possibilidade da pesquisa histórica, uma forma básica de dar significado às relações de poder, uma maneira de entender como o poder pode ser articulado, ainda que sem “poder analítico suficiente para questionar (e mudar) os paradigmas históricos existentes”. (3)
As diferenças fundamentadas no sexo são, na verdade, de cunho eminentemente social.
Para o senso comum, as diferenças entre homens e mulheres são vistas como naturais, a partir de seus corpos. Os agentes culturais (família, escola, trabalho, entre tantos outros) associam os corpos (genitália, capacidade reprodutiva, sexualidade, gênero) a padrões de comportamento. Mas o sexo anatômico não é o único fator a definir os comportamentos e as possibilidades da espécie humana. Para as ciências sociais, elas são construídas a partir de um “intenso aprendizado sociocultural”. (1)
“Gênero” seria, então, o campo em que a “significação do poder no ocidente, nas tradições judaico-cristãs e islâmicas” se estabeleceu.” (3) Para a autora, o “significado de poder” se estrutura associando o binarismo à maneira como as relações de gênero se estabelecem dentro dos contextos sociais. Por isso, para proteger o poder político, o sistema tenta anular qualquer questionamento ou alteração de seus aspectos, para não representarem ameaça a si. “A referência deve parecer certa e fixa, fora de toda construção humana, parte da ordem natural ou divina”. (3)
Este pensamento está em consonância com a teoria Queer, que afirma que “os binarismos produzidos pela sociedade (homossexual/heterossexual, homem/mulher) são a base para a opressão.” (2) Dialogando com o pensamento feminista, com o pós-estruturalismo e indo além dos estudos gays e lésbicos, estes estudos são capazes de mostrar o caráter político da sexualidade, reconhecendo-a como um dos eixos centrais das relações de poder em nossa sociedade. Críticos e heterogêneos, desafiam a normalidade questionando a ordem heterossexual compulsória como natural. Uma vez que identidades e gênero são passíveis de mudanças no tempo e no espaço, e construídas socialmente, “é preciso se considerar outros marcadores sociais que estruturam diferenças, questionando como estes são transformados em instrumentos que justificam desigualdades”. (2)
Gênero não se refere à redução da identidade a algo fixo, estável, mas sim a hierarquias e distinções sistematizadas através das práticas sociais que produzem desigualdades entre homens e mulheres.
Carrara, ao afirmar que a sociedade ocidental apresenta uma ideologia reforçadora de comportamentos, na qual “meninas nascem para cuidar e os meninos, para agir” e “os que se afastam do hegemônico são minoritários, uma espécie de desvio” (1), nos leva a pensar nas pessoas que procuram pelas cirurgias de transgenitalização, ao considerarem que “serão homens ou mulheres de “verdade” apenas e somente quando tiverem um corpo condizente com a sua identidade de gênero.” (1). Estes corpos evidenciam, de forma patente, o quanto as normas de gênero exercem pressão (1). Para Pelúcio (2), ajustar-se às normas torna os indivíduos “merecedores de direitos”, enquanto os que não se adequam seguem “relegados ao campo da abjeção” ou à perda, ainda que parcial, de “seu status humano”. (2)
Parece que o “gênero”, de certo modo, estrutura de tal forma a ordem social e a história política que, diferentemente do que alegam os conservadores, o feminismo claramente cria novas possibilidades de relações sociais e afetivas, muito além do campo político e econômico. Talvez o que esteja faltando, em acordo o Scott, seja uma outra forma de “conceber a “realidade social” em termos de gênero”. (3)
*Fe Maidel é psicóloga, artista plástica e gerente de projetos. Recém-eleita para o Conselho Municipal de Políticas para Mulheres, secretária Municipal da Diversidade23- Cidadania, trabalha junto a entidades públicas e da sociedade civil focando o resgate e a sustentação da autoestima feminina como meio de ampliar a participação delas na dinâmica da sociedade.
Bibliografia
- CARRARA, Sérgio et al. (2010) Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade 1. Rio de janeiro, CEPESC. Brasília-DF, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
- PELÚCIO, Larissa. Teoria Queer/Estudos Queer (Verbete). Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade – EGeS. Disciplina 2 – Gênero. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.
- SCOTT, Joan. Gender on the Politics 01 History. New York: Columbia University Press,1988 (p.28-50). Publicação em francês: Les Cahiers du Grif. n.37/38. Paris: Editions Tierce, 1988 – Tradução de Guacira Lopes Louro in: Educação e& Realidade, Jul/Dez 1995 (p.71-99).
- SORJ, Bila. Video-aula Disciplina 2 – Gênero. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade 1. Rio de janeiro: CEPESC. Brasília-DF, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2010.
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