Uma visita ao movimento LGBT nos 20 anos de carreira de Kylie Hickmann
Kylie Hickmann comemorou no último domingo, 14 de novembro, a marca histórica, rara e extremamente importante de 20 anos de carreira. Para além de close, make e figurinos cheios de glamour, a festa batizada de Glam foi chiquérrima também porque significa a retomada gradual da agenda de artistes da noite LGBT (e da geração de renda). Foi histórica por seu palco, o Bar Queen, em São Paulo, e pela manutenção de uma arte que é a raiz do nosso movimento como o conhecemos.
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Shows como os de Kylie são performances de música, coreografia e interpretação feitas por um corpo que por si só já é político, bombardeia paradigmas e, com o perdão do trocadilho, joga holofote em quem utiliza a arte, essa rebelde cheia de causa, para ocupar-recuperar-firmar o espaço que lhe é de direito. Suportar 20 anos dessa união entre luta, trabalho e arte, essa mistura cotidianamente pesada e sazonalmente satisfatória, mas necessária, é para muito pouca gente.
E Kylie merece todos os aplausos possíveis por ter superado ainda mais desafios: um pós-pandemia com todes descapitalizades sem deixar cair a qualidade da produção dos shows – manter figurino, maquiagem e tantos outros gastos em uma economia brasileira arrasada. Conseguiu encher a casa (com todas as medidas de segurança contra a Covid), mesmo em tempos onde nem todes se sentem confiantes em sair de casa. Recebeu convidades como Leonora Áquilla e Silvetty Montilla.
E ainda espantou um grande fantasma de artistes modernes: como continuar sendo relevante em sua mensagem. Kylie faz isso da maneira correta ao levar ao palco do Queen sua própria verdade, que é a de tantas outras mulheres trans e travestis. Há obstáculos, é preciso resistir, mas também há esperança e muita vontade de um mundo melhor – além de talento de sobra.
Shows tradicionais como os de Kylie mantêm o embrião do movimento LGBT, rememora nomes de brasileiras como Claudia Wonder, Jane di Castro e Rogéria. É o bastião do que somos.
A série de shows termina com a diva abrindo a bandeira do Orgulho Trans com seus braços erguidos não apenas por ela própria, mas tantas outras que a antecederam. Shows tradicionais como os de Kylie mantêm o embrião do movimento LGBT, rememora nomes de brasileiras como Claudia Wonder, Jane di Castro e Rogéria. É o bastião do que somos, mesmo que estejamos em evolução.
É preciso ter muita força para todos os dias, durante duas décadas, ser alguém que muita gente condena e, ainda por cima, expressar seu eu em forma de arte. Há 20 anos, e de certa maneira ainda hoje, poucos eram e são os palcos que realmente aceitam esses corpos e suas expressões. Que aceitam de verdade, sem mirar em números, lucro, marketing.
RAINHA
Kylie foi cirúrgica na escolha do palco de sua comemoração porque o Bar Queen, no marco LGBT paulistano, o Arouche, é um espaço tradicionalmente, historicamente e deliciosamente travesti. É para todes, recebe todes e agrada todes porque não serve em seu cardápio o carão e o preconceito de lugares mais vendidos aos padrões. O Queen é o próprio movimento LGBT porque é a casa, o refúgio e a oportunidade de quem precisa se aceitar e se sentir parte de algo. É resistência.
Há obstáculos, é preciso resistir, mas também há esperança e muita vontade de um mundo melhor – além de talento de sobra.
Trilha sonora cheia de clássicos como Lorena Simpson e Whitney Houston, boys de sunga, travestis-ícones rainhas do camarote, comidinhas, bebidinhas e muito despojamento para garantir a diversão. O Queen funciona há nada menos do que 22 anos com público fiel, diversificado e receptivo.
Atualmente é dirigido por Maryana Mercury (drag queen baiana) e Artur Zanetty (ator e bailarino e também apresentador). Funciona de sexta à segunda, a partir das 18h. E a partir do dia 24 de novembro a programação ganha as Quartas Retrô cheias de clássicos. Porque eles, os clássicos, nunca morrem.
Bar Queen: Rua Vitória, 826 – Arouche
www.barqueen.com.br
(11) 98536-1684
Marco Del Monte
19/11/2021 20:38
A comemoração dos 20 anos de carreira de Kylie Hickmann foi de fato muito glamourosa, porém deixou a marca de uma militância inteligente ao movimento LGBTQIA+. Foi uma noite memorável que celebrou a volta aos palcos, ela nos mostrou de fato como deve ser, fazer e apresentar um espetáculo, que há tantos não víamos. Essa noite ficará para sempre guardada em nossas lembranças.