Ator Claudio Bruno faz releitura gay respeitosa de personagem clássico da Literatura brasileira

A Literatura mundial é um vasto campo de descobertas e personagens que são muito mais do que se percebe, e nos livros brasileiros não é diferente com uma nova visão de Sérgio Pompeu e Bento Alves. Ainda não veio a lembrança? São personagens do clássico de Raul Pompeia “O Ateneu”, que muita gente lê para prestar vestibular sem perceber que ali tem algo a mais.

Este algo a mais foi captado pelo diretor Felipe Reis na série “A Todo Vapor” (leia mais aqui) com direito a um amor sem limites para os dois. Sérgio (Pedro Passari) e Bento (Claudio Bruno) surgem na trama de steampunk cheia de mistérios como um casal, sem mais ou menos, sem maneirismos linguísticos para dizer o que realmente são e o que realmente sentem.

Bento (esq.) e Sérgio (Pedro Passari) surgem na trama como um casal, sem mais ou menos

Responsável por dar vida a Bento Alves, Claudio Bruno conversou com a Ezatamag sobre preconceito, releituras e vontade de não encaixar as pessoas em rótulos e revelou como foi construir um personagem clássico da Literatura brasileira com uma faceta mais transparente. Uma das maiores preocupações era respeitar a comunidade LGBT, não parecer debochado.

Dizendo com orgulho que “eu sou muito do cinema de guerrilha, do cinema independente, onde todo mundo tem voz, participa”, Claudio comemora a recepção positiva do personagem – que para ele é graças à naturalidade com a qual o amor entre os dois personagens é tratada. Confira:

Como surgiu o convite para fazer um personagem tão clássico da nossa Literatura?

Eu estou em alguns grupos de atores no Facebook e o ator que ia fazer o papel do Bento Alves teve um compromisso e falou que tinha desistido. Eu só não tinha a mesma altura da descrição física do personagem, que é 1,80m. Eu tenho 1,75m. Todo o resto tinha a ver comigo. Mandei meu currículo e eles me ligaram em menos de quatro horas pedindo para marcar uma reunião com o Felipe Reis, o diretor. Eu fui tomar um café com ele e ele me explicou o personagem, falou que era do livro “O Ateneu”. Naquela madrugada eu baixei o livro para ter uma ideia do que era porque eu não me lembrava mais da história. O Felipe me explicou que era o personagem do livro, porém, 30 anos depois.

Como foi avançar no tempo com este personagem? Você teve medo de comparações?

Eu senti uma grande responsabilidade porque sempre que você faz papel de alguém que existiu ou de alguma coisa clássica, é preciso ter uma certa responsabilidade para manter veracidade no que você está fazendo. Eu tive essa liberdade de o personagem vir 30 anos depois do que está no livro. A gente discutiu um pouco o fator do sotaque, porque o Bento Alves é gaúcho, mas como ele passou muito tempo fora, nós decidimos não ter o sotaque gaúcho na história. O livro coloca ele como um cara grandão, forte, mais rústico. O que a gente mais manteve foi isso, o diretor pediu para eu ser bem seco, bem frio, que eu somente não fosse assim nas cenas em que eu estivesse com o Sérgio, que eu mostrasse um pouco mais de afetividade. Dos personagens todos ele é o único que não tem poderes sobrenaturais, todos os outros têm uma magia, algo do tipo. O Bento Alves é totalmente ser humano. Ele tem força, coragem, não tem medo de nada ou quando tem não demonstra.

É como se nestes 30 anos ele tivesse se encontrado com o Sérgio, se declarado e resolvido a relação deles já. Buscamos fazer algo sem estereótipos, naturalizar a coisa.

E na série ele é gay. E o mais humano por não ter poderes.

Exatamente. É como se nestes 30 anos ele tivesse se encontrado com o Sérgio, se declarado e resolvido a relação deles já. O que eu acho mais legal é justamente este contraste. O Sérgio Pompeu na série é muito delicado, arrumadinho, chique. O Bento Alves é exatamente o oposto, mais rústico, isso que eu acho divertido. Para falar a verdade, foi o único papel que eu fiz realmente fazendo um personagem homossexual. Eu nunca tinha feito antes. E a surpresa é justamente porque o personagem não dá nenhuma pista da sexualidade dele até certo momento da história. Buscamos fazer algo sem estereótipos, naturalizar a coisa. Inclusive no livro que é citado antes, “A lição de Anatomia do Temível Dr. Louison”, onde ele aparece antes com o Sérgio, é engraçado porque eles têm uma relação muito moderna na minha opinião.

O que te surpreendeu?

É uma relação muito moderna para aquela época. Neste livro eles trocam muitas cartas e tem uma hora em que eles estão afastados. O Sérgio está em Porto Alegre (RS) e o Bento Alves está fora. O Sérgio fala que conheceu um garoto de programa, jovem, uruguaio, que o Sérgio não vê a hora de oferecer ao Bento. Quando eu li isso eu pensei: nossa, eles eram modernos.

Eu tinha a sensação de querer fazer uma coisa para não estereotipar, não ficar debochado.

Você teve medo de sofrer algum tipo de preconceito neste primeiro papel gay da carreira? Porque você nunca teve essa recepção antes.

Medo eu nunca tive. Para falar a verdade, a maior preocupação que eu senti quando fui fazer as cenas não foi medo, foi responsabilidade, o que é diferente. Eu tinha a sensação de querer fazer uma coisa para não estereotipar, não ficar debochado. Tanto que até hoje ninguém que assistiu me falou nada. Todo mundo fala que gosta da série, do papel, da roupa, mas ninguém fala que não gostou porque tem casal gay.

Você acha que estamos então em um outro momento como sociedade?

Eu acho que não, esperaria que sim, mas acho que não. O meu sonho seria que fosse por este motivo, mas acho que não é. Neste sentido, em relação ao personagem, não é o foco central, acaba passando até batido isso dentro da série. Não é o ápice, o auge, não é isso. As pessoas acabam deixando de criticar o casal porque não é o fator central e não é chocante. Não é algo que você se espanta. Não sei se futuramente, quando o pessoal começar a ver mais a série, isso muda. Por enquanto não aconteceu nada, espero que continue assim.

Até hoje ninguém que assistiu me falou nada. Todo mundo fala que gosta da série, do papel, da roupa, mas ninguém fala que não gostou porque tem casal gay.

E os planos futuros depois de “A Todo Vapor”, da estreia do seu primeiro personagem gay?

Eu estou com três projetos andando. Eu estou fazendo o personagem de um jornalista em “O Mímico”, que vai ser uma serie também. Já foi livro, já virou história em quadrinhos também e agora série. É sobre um anti-herói, um policial que tem a mulher assassinada por engano no dia do casamento e ele se revolta e decide ter uma identidade secreta. Ele quer se vingar de tudo o que aconteceu e acaba descobrindo corrupção, um monte de coisas a partir disso. É uma figura paralela à polícia. O outro projeto é um filme independente que se chama “Paranoid”, é um terror psicológico. Eu faço o papel de um assassino psicopata que matou a família dele inteira. Ele aparece como alucinações para uma menina que está sendo manipulada e drogada por toda uma família. O terceiro projeto é uma novela que está para ser vendida ainda, chama “Excelsior”. O meu personagem é um mafioso. São pessoas que trapacearam e ficaram ricas.

Instagram @claudiobrunoator