Daniela Nunes é a representante do Distrito Federal no concurso Miss Beleza T Brasil 2020

A escorpiana Daniela Nunes é a representante do Distrito Federal no concurso Miss Beleza T Brasil, que será realizado em São Paulo em outubro (leia mais aqui) – data preliminar que pode ser alterada devido à pandemia. Entramos em contato com todas as eleitas e publicaremos as respostas por ordem alfabética. E as entrevistas já publicadas estarão no fim da página para você conhecer todas elas.

“Acredito que o patriarcado não deu conta de me segurar, e junto de mim vêm outros corpos femininos para mostrar que não somos padrão, que somos distintas umas das outras, ainda que sintamos pertencimento ao universo feminino. O mundo é cada vez mais da mulheridade, da transexualidade e travestilidade”, conta à Ezatamag.

Fizemos para Daniela as mesmas perguntas enviadas às outras candidatas, garantindo isonomia na divulgação delas este texto de abertura também é padrão pelo mesmo motivo. Conheça um pouco mais sobre a Miss Distrito Federal e seus objetivos:

Qual o seu signo e o que você mais gosta no Estado que está representando?

Meu signo é Escorpião, 2 de novembro, Finados. Adoro essa data marcante. Signos para mim não significam muito, não sou religiosa nem supersticiosa, não acredito em Deus e nem no Demônio. Acredito no ser humano, essas duas faces, bem e mal. O que mais adoro no Distrito Federal é a arquitetura urbanística, quadras bastante arborizadas na capital Brasília e as cachoeiras e lagos, juntamente com a vegetação local presentes ao longo do território do Distrito Federal.

Como foi sua trajetória até começar a sua transição e, agora, poderosa, arrasando, sendo eleita miss e indo ao nacional, como está?

Sempre muito difícil, gostaria de poder dizer diferente, porém não é a minha realidade, ainda que eu seja bastante privilegiada, antes da transição fui uma criança extremamente feminina que viveu a infância nos anos 90, sem muita representação de mulheres trans como por exemplo um concurso como o Miss Beleza T Brasília, pouquíssimas informações e políticas públicas. Hoje poderosa e empoderada, não é diferente, estar ocupando uma posição de representatividade e visibilidade enquanto Miss do Distrito Federal, capital do País, onde o olhar político está sempre em vigilância, me faz sentir frio na barriga e ao mesmo tempo uma gostosa sensação de vencer as estatísticas mais uma vez. De poder ter conquistado nome é gênero retificados em todos os meus documentos, na época por um processo judicial, quando ainda não era um direito reconhecido, ter realizado alguns cursos técnicos, curso de formação pela Organização Das Nações Unidas-ONU. Ter passado por empresas enquanto trabalhadora (carteira assinada), ser formada em Serviço Social, proporcionando melhoria na vida de outras trans e travestis e grupos vulneráveis no geral, estar cursando minha segunda graduação, em Biomedicina, ser casada, segundo relacionamento duradouro, sendo que o primeiro foi de mais de 4 anos e o atual está completando 4 anos também, sendo que nós trans somos extremamente abandonadas afetivamente. Ter minha própria fonte de renda, ser apoiada pela minha família, ter realizado várias cirurgias plásticas caríssimas que poucas pessoas, sejam trans ou não, conseguem ter acesso. Me ver no espelho e ter a certeza da mulher travesti foda que sou, tudo isso bem antes dos 30, tenho atualmente 28 anos. Enquanto na minha idade muito homem branco cisgênero heterossexual adorado e endeusado pela família simplesmente por ser homem, que muitos não têm nem um curso técnico e ainda não saíram da casa dos pais. Lamentável essa realidade machista brasileira que passa pano para os machos improdutivos e forçam o amadurecimento precoce de mulher, que impõe a responsabilidade das relações afetivas sobre elas, que enaltece o homem quanto a família e vida financeira estruturadas, ao passo que culpabiliza somente a mulher quando sua família não é estruturada, ainda que o homem seja o responsável pelo abandono familiar.

Parte do Brasil tem o desgoverno que merece, outra parte simplesmente tem que continuar resistindo a esse momento perdendo seus aliados pela opressão e negligência institucionais, assim como eu, que já perdi muitas amigas de luta pela intolerância.

O que se tornar Miss significou para você?

Apesar de ser bastante padronizada, acredito que vim com a exata proposta de que nós mulheres, sejamos cis, trans ou travestis, sabemos muito bem sermos completas, belas e empoderadas, estudadas e espertas quando o sistema opressor deseja submeter nossos corpos. Acredito que o patriarcado não deu conta de me segurar, e junto de mim vêm outros corpos femininos para mostrar que não somos padrão, que somos distintas umas das outras, ainda que sintamos pertencimento ao universo feminino. O mundo é cada vez mais da mulheridade, da transexualidade e travestilidade e eu sou um bug nesse sistema genocida ao passo que, a cada privilégio conquistado por mim, morrem algumas manas simplesmente pela ignorância que alimenta o ódio promovido por esse “cistema” que a todo momento tenta nos jogar para as margens.

Como você acha que pode ajudar a comunidade LGBTQI+ sendo Miss?

Já venho ajudando através do legado deixado por outras trans que vieram antes de mim e que se foram, assassinadas pelo sistema machista. O simples fato de existir conquistando tudo que é meu já é derrubar paredes construídas nas portas de acesso como forma de nos barrar, construídas por esse sistema transfóbico, impossibilitando nossa inserção na educação, no mercado de trabalhos, no lazer… Além de promover mudanças com meu simples e empoderado fato de existir, também sou militante, já integrei alguns coletivos LGBTIQAP mais, atualmente sou membra e embaixadora da União de Travestis e Pessoas Trans do Distrito Federal. Através dela produzimos a campanha “Trans não é doença: Despatologização das Identidades Trans e travesti”, campanha que esclarece a importância da Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecer que ser trans e travesti não é doeça. Atuei na posição de assistente social de referência do projeto Semeando Saúde no atendimento especializado à população em situação de rua através da perspectiva da saúde reprodutiva, levando em consideração o recorte de mulher cis, trans e travestis. Fui funcionária pública atrás da gestão do Instituto IPES, vinculado à Secretaria de Justiça do DF (Sejus), compondo a equipe da diversidade no Serviço de Abordagem Social (Seas) na posição de assistente social de referência da equipe.

Qual avaliação você faz do cenário político brasileiro de hoje em dia?

Lamentável… O Brasil preferiu eleger justamente uma face do sistema que mais promove a segregação dos povos, das classes, das diferenças consequentemente segregação do que temos de mais igual que é ser humanos. O Brasil vive o momento onde mais morre-se por negligência do Estado, seja pela Covid-19 ou pela polícia que mais mata no mundo e claro, consequentemente, a que mais morre e ano passado (2019) estudos apontam que essa mesma política que mais matou no mundo, matou mais do que morreu, reforçando a proposta desse governo que já deixou bem claro que a polícia tem carta branca para matar, quando na verdade deveria ser punida por matar e condecorada na proteção à vida. Infelizmente somos conhecidos mundo afora por essa característica milícia brasileira de ser. Em contrapartida, tivemos uma resposta social de visibilidade de gênero muito grande de movimentos feministas e transfeministas na mídia com a cantora Majur negra e trans, na política com a eleita trans Erica Malunguinho deputada estadual de São Paulo também pessoa negra. Neste ano o Miss Beleza T veio em meio de todo esse senário de extrema intolerância visibilizar mais 23 mulheres trans brancas e negras, bissexualismo, heterossexuais e lésbicas, trans e travestis de todo canto do Brasil, provando que além de belas somos diversas entre nós mesmas e que o Brasil tem muito mais a oferecer para si e para o mundo, muito mais que um governo e sistema fascista, racista, opressor, transfóbico, hegemônico eurocêntrico. O Brasil é latinidade, não reconhecermos isso é sermos racistas e xenófobos quando idealizamos estética e comportamentos europeus.

O Brasil preferiu eleger justamente uma face do sistema que mais promove a segregação dos povos, das classes, das diferenças

Você acredita que ter se tornado Miss te ajudou na sua autoestima?

Certamente, uma prova que de alcancei minimamente o que sempre idealizei quando criança, que é me ver linda e feminina, ser selecionada por um concurso de beleza a nível nacional e internacional representando meu Estado claramente é a confirmação de que deu certo minha idealização. Que as pessoas contra a minha existência estão erradíssimas sobre mim e sobre minhas iguais manas trans e travestis, somos bem mais que o preconceito pode enxergar.

O que é ser bonita para você?

Histórias de vida como a minha, como a da minha mãe, que é mãe solo e foi muito pobre, histórias de mulheres negras como o recente caso da mulher que teve seu filho abandonado pela patroa, resultando em uma tragédia. No fundo não são história bonitas, são histórias de muito sofrimento. Porém as pessoas protagonistas de histórias como estas trazem na personalidade verdades lindas de serem admiradas e valorizadas.

E qual tipo de gente você acha horrorosa?

Sendo bem sincera e breve para não promover muito essa gente, acho horrorosos homens cisgênero machistas, sexistas, misóginos, LGBTIfóbicos… resumindo, Bolsonaristas! Algumas dessas pessoas pouquíssimas são sem noção mesmo, sem perspectiva, porém majoritariamente são pessoas extremamente egoístas criadoras de pobreza e miséria. São pessoas que necessitam da desigualdade para contar vantagem sobre seu bens, sobre seu privilégios. Dificilmente veremos um rico contanto vantagem sobre outro rico, porém sempre vemos pessoas privilegiadas dando carteirada em subordinados, subalternos e desprivilegiados. Mais feio do que isso só o próprio anti-presidente, que é homem branco, cisgênero, machista, sexista, misógino, LGBTIfóbico, deselegante, ignorante, nada estudado, uma vergonha para o militarismo quando dentro da Força. O máximo que conquistou foi ser um paraquedista expulso por atentado terrorista contra a própria Força Militar, um deputado por 30 anos sem sequer um projeto aprovado. Um homem nada empático nem com os seus próprios iguais (eleitores e militares)! Parte do Brasil tem o desgoverno que merece, outra parte simplesmente tem que continuar resistindo a esse momento perdendo seus aliados pela opressão e negligência institucionais, assim como eu, que já perdi muitas amigas de luta pela intolerância.

Dificuldades essas que ainda passo, é preciso firmar que ser Miss não me protege integralmente de transfobias. Ser Miss não me isenta de sofrer agressões, vivo no país que mais mata travesti e trans, sou uma trans na posição de destaque onde muitos irão proferir seus ódios.

O que você pode dizer para as meninas trans e travestis que ainda enfrentam as dificuldades pelas quais você já passou?

Dificuldades essas que ainda passo, é preciso firmar que ser Miss não me protege integralmente de transfobias. Ser Miss não me isenta de sofrer agressões, vivo no país que mais mata travesti e trans, sou uma trans na posição de destaque onde muitos irão proferir seus ódios, rancores, dissabores de ver uma trans sucedida como eu e de onde vim. Basta olhar os comentários nas nossas fotos de divulgação na página do concurso Miss Beleza T Brasil pelo Instagram, basta conferir os comentários nas colunas de jornais das candidatas. Só tenho a dizer que isso não é novidade em nossas vidas e que estamos cada vez mais unidas, articuladas, capacitadas para sermos donas dos nossos destinos, para além de sermos donas de nossos corpos.

Agora uma pergunta clássica: qual seu maior sonho?

Recentemente criei novos maiores sonhos depois de já ter conquistado todos antes dos 30 anos de idade, olha que sou ambiciosa! Atualmente meu maior sonho é me formar na minha segunda graduação em Biomedicina, fazer especialização em Esteta, abrir meu Centro de Biomedicina Esteta especializada em células tronco, promovendo saúde na estética, redução de danos acometidos em pacientes por procedimentos clandestinos/não biosseguros, com foco no público feminino, mulheres cis, trans e travestis.

Instagram @elafitness.oficial

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