“Na Cama com Madonna” mostra momentos de vulnerabilidade e a rainha rindo de seu narcisismo

Por Eduardo de Assumpção*

“Na Cama com Madonna”, o registro documental de Alek Keshishian, que acompanha Madonna dentro e fora do palco durante sua icônica Blond Ambition World Tour, de 1990, alterna cenas chamativas de shows, filmadas em cores, com material pessoal mais corajoso, em preto e branco. O simbolismo pode ser pesado, mas o filme não é.

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O documentário começa em Tóquio, com Madonna entretendo uma plateia no estádio em uma chuva torrencial. Noite após noite, o show exaustivo continua, assumindo aspectos de uma cruzada para os membros da equipe.

Ironicamente, todo espetáculo é precedido por uma oração, todos de mãos dadas enquanto Madonna pede a ajuda de Deus e recita uma lista diária de problemas. E quando seus dançarinos têm problemas pessoais, eles a procuram como conselheira e figura materna.

No filme, a rainha desce de seu trono para rir de seu narcisismo

A necessidade de choque de Madonna muitas vezes causa seus problemas. Warren Beatty, co-estrela de “Dick Tracy” (1990)  – e amante de Madonna na época – a repreende pela “insanidade” de tornar sua vida um espetáculo público. Há uma cena memorável, onde ela enfia os dedos na garganta após Kevin Costner chamar seu show de ‘legal’.

Mas também se fala muito de seu lado suave. Ela é a mãe confessora de seus sete dançarinos, a maioria gays que são novos na estrada das celebridades, organizando reuniões familiares e acalmando egos frágeis.

Ela também fica confusa, assustada e estressada. Sozinha em seu quarto de hotel, fazendo malabarismos com telefones em um roupão de banho e sem maquiagem, Madonna parece exausta. Mas ela não está reclamando. Esta é a fantasia dela, e ela está vivendo isso ao máximo.

Esta é uma radiografia cautelosa, porque o filme nem sempre a mostra no seu melhor. Nós a vemos andando de mau humor, gritando ordens e denunciando sua equipe.

Mesmo quando pressionada pela polícia de Toronto, que vê como obscena a performance de Like a Virgin, ela vê como “expressão artística” e não irá mudar nadinha no seu show, ainda que possa ser presa. Ela preparou seu corpo, aprimorou suas cordas vocais e trouxe precisão para sua dança. E ela se orgulha de sua obra.

Esta é uma radiografia cautelosa, porque o filme nem sempre a mostra no seu melhor. Nós a vemos andando de mau humor, gritando ordens e denunciando sua equipe por suas falhas e incompetência; nós a vemos bater o telefone na cara de Warren Beatty e fazendo birra no banheiro.

Quando Pedro Almodóvar, de quem ela diz amar os filmes, lhe oferece um jantar de gala em Madri, Madonna fica empolgada em conhecer Antonio Banderas, porém a decepção é grande ao descobrir que o ator é casado. “No fim, ele nem é tão bom ator assim”, desabafa.

O tema organizador de todo o filme é o trabalho. Aprendemos muito sobre o quão duro Madonna trabalha, sobre os métodos com seus dançarinos e sua equipe de apoio nos bastidores e sobre como é brutalmente difícil fazer uma turnê mundial.

No filme, a rainha desce de seu trono para rir de seu narcisismo. “Na Cama com Madonna” mostra momentos de vulnerabilidade. Seu coração não está no sexo, mas nos negócios, e o valor central do filme é a ética de trabalho.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

Instagram: @cinematografiaqueer

Twitter: @eduardoirib