MC Trans alcança a completude com lançamento do clipe “Ponto Maria Navalha”
Ana Vitória Monfort é uma mulher de fé – na vida, em seu talento e em sua religião – que decidiu unir os três em uma só. Com “Ponto de Maria Navalha”, MC Trans canta sua experiência com sua entidade em ritmo de funk, o seu ritmo. Algo um pouco novo, por enquanto, e que ainda desperta debates. Ana mesmo reconhece.
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Mas guiada e protegida por Maria Navalha, MC Trans chega a um momento de completude ao unir três de suas principais subjetividades. E o que é a Arte senão a expressão do que o ou a artista tem dentro de si? Ana Vitória é MC Trans, adepta da Quimbanda Brasileira e também uma mulher que, como tantas outras trans e travestis, teve momentos complicados.
Eu acho que se você for de respeitar uma entidade, uma religião, você vai respeitar em qualquer ritmo.
A partir de uma dura experiência na ainda mais dura realidade da rua na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, prometeu à sua entidade que faria um clipe e uma música para ela, para agradecer a superação dos desafios – mesmo que tantos outros ainda venham pela frente. MC Trans está pronta, e não anda sozinha. Ela explica tudo para nós a seguir:
Por que você decidiu abordar a religião agora?
Então, não foi agora, né? Na verdade, tem uns 3 anos já, eu tenho 20 anos de feitura de santo e, há 3 anos, eu não queria falar sobre religião por questões pessoais, era um direito meu. Eu não estava preparada pra isso. Eu fui muito atacada já no meio LGBT+. E a internet era muito cruel, então eu não queria trazer a minha história com Maria Navalha, com Oxóssi, com os meus guias pra o meu trabalho como MC Trans cantora e apresentadora. Só que eu fui numa casa e me filmaram, aí quando Navalha chegou na minha cabeça, me filmaram em incorporação, né? E aí eu pedi pra não postar, mas… eu sou travesti, né? Não deito à toa pra ninguém, não. Falei: quer saber, já que filmaram e eu estou com esse medo, vou bater de frente com esse medo. Assumi mesmo o que eu não precisava assumir, né? Falei abertamente. Nisso, eu fui para um evento da religião, homenageando Maria Navalha, e essa foto viralizou. Ela foi a foto de Maria Navalha mais compartilhada. Pessoas fizeram blusa, né? Era eu de Maria Navalha, o rapaz de Zé Pilintra. E com isso, começaram a pedir para que eu cantasse também pra religião, o que foi um grande problema, porque eu canto funk, né? E o funk ele é muito marginalizado. Por exemplo, as pessoas podem cantar um samba e falar de uma entidade. As pessoas podem cantar um pop, fazer um ponto e falar de uma entidade. Eu colocar o ritmo do funk, as pessoas nem escutam a letra, já acham que eu estou desrespeitando as entidades das quais eu estou falando. Eu acho que se você for de respeitar uma entidade, uma religião, você vai respeitar em qualquer ritmo. Eu não posso pegar e falar de Maria Navalha, Maria Padilha, não posso falar de Santo Antônio, não posso falar de São Sebastião e colocar coisas pornográficas, senta, levanta, sobre sexo. Eu não posso sexualizar aquilo. Independente do ritmo, o importante é fazer com respeito. E aí tem outros artistas que já fazem, famosos.
“Prometi pra minha entidade, Maria Navalha Malandra da Lapa, que eu faria uma música e um clipe”
Como foi esse caminho até o “Ponto”?
Eu, Ana Vitória Montefort, MC Trans, realmente prometi pra minha entidade, Maria Navalha Malandra da Lapa, que eu faria uma música e um clipe sobre a minha história com ela, de ter morado na rua, de ela ter usado a cantora Anitta pra mudar minha vida, porque foi Maria Navalha que trouxe a Anitta na minha vida e fez ela mudar minha história. E aí eu fui pro Rio de Janeiro, gravei um clipe, acabei de lançar. Chamei um compositor da macumba muito famoso, Felipe Leão, Curimba de Terreiro, ele conseguiu colocar toda a minha história com a minha entidade nesse ponto. Esse clipe assim foi mega produzido, a gente colocou drone na Central do Brasil, gravamos na Lapa, nos Arcos da Lapa. Teve incorporação, estava tendo uma gira. Tem takes meus e do cantor e tem takes de uma mulher preta que representa a Maria Navalha. Porque ela foi uma mulher preta, e aí eu não iria representar Maria Navalha, eu jamais faria isso. Então chamei uma atriz para fazer a Maria Navalha, a Gessica Resende.
É um novo desafio para você. Por que o funk não costuma ter este tema.
Recomeçar do zero é sempre muito difícil, dá medo, e não tinha outra pessoa trans, mais uma vez. Como lá no funk, era MC Xuxu, Mulher Banana e eu. Ali na macumba eu só estava vendo eu. E era um choque para as pessoas a minha presença. Primeiro porque eu já tenho aquela bagagem de palco, de TV, então eu tenho uma postura boa de palco, eu sou boa no palco, eu tenho presença de palco. E depois porque existe aí uma intolerância com pessoas trans, uma transfobia muito grande na religião, muitos espaços que elas não são acolhidas. Então, já vi esse impasse, porque eu tenho uma história de transfobia muito grande e longa na religião. Não está sendo fácil, confesso que não está sendo fácil, são muito poucos apoios, e era sempre eu ali. Só que aí a gente volta a falar da minha entidade, Maria Navalha.
E como aconteceu este diálogo maior, esse convite da Juliana Passos?
A maior cantora da religião é a Juliana de Passos. E todos os pontos que eu conheço são cantados pela voz de Juliana de Passos. Eu aprendi a cantar pra minha entidade ouvindo ela. E aí vem o DVD dela e ela me chama. Quando ela me chama, foi uma honra. Eu chorei, solucei, passei mal. Foi uma realização de sonhos, porque é como se fosse a Anitta da Macumba, a Pabllo Vittar da Macumba. E aí quando eu chego lá no camarim, de forma natural, ela viu a artista MC Trans que canta pra Navalha. E ela nem focou que era homem e mulher trans. Eu que estou trazendo essa pauta porque é importante. Eu fiquei impactada. Eram duas pessoas trans. Uma mulher e um homem trans no maior DVD da religião.
Qual foi a importância disso?
E eu acho isso importante, porque é sobre ser artista. Na igreja tem uns cantores gospel, na macumba tem uns cantores de macumba que estão começando a ser reconhecidos agora, e as pessoas trans sempre têm dificuldade de ocupar esses espaços. Então quando a Juliana faz isso, ela quebra um paradigma e ela mostra assim ó: tem duas pessoas trans aqui, entendeu? Ela está vestida de Maria Navalha, concordem vocês ou não, é a entidade dela, ela vai usar uma saia no palco, ela é uma mulher, e ele vai estar aqui do jeito que ele se comporta e se veste, porque ele é um homem, então vocês vão respeitar esse homem trans que vai estar no palco comigo. E foi um cala boca pra transfobia religiosa. O amor venceu, entendeu?