Airon Martin estreia na SPFW querendo valorização do produto brasileiro com consciência socioambiental e sem arrogância

A São Paulo Fashion Week (SPFW) está rolando na capital paulista apresentando tendências de moda, mas com a estreia do mato-grossense Airon Martin, diretor criativo da Misci, nesta sexta-feira, 6 de novembro, foi além disso: apresentou a nova realidade. Roupas lindas sim, mas agora definitivamente feitas considerando o lado humano da cadeia que a produz, levando em conta os recursos naturais esgotáveis de um planeta que pede socorro.

Nada de muitas inventividades de nomes, termos fashionistas e farfalhar linguístico. Na passarela de Airon os conceitos são simples e totalmente antenados ao espírito do tempo – economia circular, respeito ao meio ambiente, compromisso social, valorização do que é nacional. É a entrada definitiva da moda brasileira em um mundo que assiste a uma pandemia e já se deu conta, pelo menos aqueles mais humanos, de que é impossível manter o padrão de consumo de antes.

“Nem a moda nem o mundo permitem mais este tipo de posicionamento blasé, arrogante, como a moda sempre desempenhou, raso”, dispara o designer, que também leva seus conceitos para o desenvolvimento de outros produtos, como os móveis – com destaque para as cadeiras. Com uma loja física em São Paulo, e-commerce e distribuição em multimarcas, Airon vai espalhando opções de looks com olhar atento ao mundo.

Airon: não é só a questão do produto sustentável, é a responsabilidade social que a gente tem, fazer o usuário refletir

Essa preocupação socioambiental sempre esteve presente no seu trabalho? Como ela surgiu?

Eu vejo a minha cidade, Sinop, que é no norte do Mato Grosso, tem um sistema agrário, um sistema social. Eu sempre cresci vendo tudo sendo muito explorado e sendo comum essa exploração, principalmente ambiental. Acho que isso me trouxe essa vontade. É um Estado com uma riqueza natural muito grande, minha cidade fica já na região amazônica. Tem sempre muita exploração de madeira. Cresci vendo as pessoas querendo degradar realmente para aumentar o lucro delas. Isso acabou me gerando essa vontade de produzir algo que é diferente disso, que devolva algo para o mundo e para a sociedade. Não é só a questão do produto sustentável, é a responsabilidade social que a gente tem, fazer o usuário refletir. A gente sempre trabalha com intervenções urbanas, tentamos causar essa reflexão, não só sobre o produto, mas para um bem da sociedade mesmo. Quem trabalha com criação, com lançamento de produtos e serviços, se inspira muito na sociedade o tempo inteiro. A gente precisa devolver algo para a sociedade. Eu me vejo com esta responsabilidade.

É uma vontade e também uma necessidade, não dá mais para produzir como se produzia antes?

Não dá mais, não dá mais para fazer moda como se fazia antes. Não dá mais para fazer moda sem perguntar qual a referência usada, qual a construção da coleção, qual a referência do objeto. Não dá mais para falar que é aquilo porque é aquilo e pronto. Nem a moda nem o mundo permitem mais este tipo de posicionamento blasé, arrogante, como a moda sempre desempenhou, raso.

Quem trabalha com criação, com lançamento de produtos e serviços, se inspira muito na sociedade o tempo inteiro. A gente precisa devolver algo para a sociedade. Eu me vejo com esta responsabilidade.

Você acha que essa mudança vem também do consumidor? O consumidor está exigindo isso?

Eu acho que sim, tem para tudo na verdade. A gente vê o Brasil polarizado politicamente e esse consumidor reflete essa polarização. Temos acompanhado usuários mais exigentes, mas também acompanhado outros que não têm essa preocupação. A tendência é que essa polarização política aumente, mas acho que vai chegar ao ponto que quem não se posicionar com essas premissas de responsabilidade vai ser crime mesmo. Eu nem comunico tanto essas questões de sustentabilidade dentro da marca, eu sempre tratei como precedente, nunca tratei como diferencial marqueteiro para vender produto. Eu falo pouco sobre questões como pesquisa têxtil, por exemplo.

Como é feita essa pesquisa? Você parte ali de Mato Grosso ou ela é Brasil?

Não. A pesquisa é mundo, a gente tenta trabalhar com o máximo possível de produtos nacionais. Os tecidos hoje dessa coleção são todos fabricados no Brasil, a mão-de-obra é brasileira. Alguns aviamentos apenas que temos alguns fornecedores da Europa, como botões a partir de papel reciclado, coisas que a gente tenta produzir aqui, mas ainda não conseguiu. O objetivo é que a gente consiga produzir 100% aqui, inclusive os aviamentos.

Não dá mais para falar que é aquilo porque é aquilo e pronto. Nem a moda nem o mundo permitem mais este tipo de posicionamento blasé, arrogante, como a moda sempre desempenhou, raso.

E com quais desses tecidos você está trabalhando agora?

Eu trabalho com muita seda, muito algodão orgânico de cooperativas da Paraíba. Basicamente algodão. Tenho trabalho também com linho, mas nem tanto. Ele vem da Bélgica. Fico mais entre a seda e o algodão mesmo.

Que não é qualquer seda ou qualquer algodão, tem toda uma cadeia de responsabilidade envolvida nestes tecidos. É um valor agregado, não necessariamente preço, mas um valor agregado.

Sim. Com certeza. A gente inclusive tem uma seda que a gente trabalha que é um tweed todo feito no tear manual. Uma seda reciclada misturada com linho reciclado. É caro porque é feito manualmente, tem toda a valorização de quem está trabalhando para fazer. É tudo muito valorizado. Essas artesãs são de uma comunidade de Maringá, no Paraná. É tudo feito lá. Também encabeço o Projeto Fora, que fala bastante de empreendedorismo. Na verdade é para estimular todo esse consumo nacional, autoral e circular. A ideia desse projeto é fomentar o design nacional, produtos reduzidos.

A mesma coisa dificilmente vai continuar. Eu acredito em um olhar de quem é mais humano.

A gente ainda não está saindo da pandemia, mas estamos indo um pouco para frente. Depois da pandemia você acha que mudaremos a forma de consumir ou continua a mesma coisa?

A mesma coisa dificilmente vai continuar. Eu acredito em um olhar de quem é mais humano. De olhar para o Brasil, para o produto brasileiro. Este é o momento dos empreendedores independentes. Tenho certeza deque muita gente está olhando para o nosso nacional.

Loja física – Rua Mateus Grou, 626 – Pinheiros, São Paulo

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