Por Breno Rosostolato*

‘O ódio é o prazer mais duradouro. Os homens amam com pressa, mas odeiam com calma’, já dizia o poeta e escritor inglês George Lord Byron (1788-1824). E como o homem vem não só odiando com calma, como vem explorando seu lado mais obscuro, cruel e violento. O lado de dentro, do coração, que já não resiste diante do desejo em odiar o outro. Do lado da mente que não constrói bons pensamentos, mas sucumbe ao ódio da necessidade de arquitetar e engendrar o mal para o outro.

Falar em ódio, entretanto, é pensar na raiva analogamente. A sutil diferença entre uma e outra é que o primeiro é um sentimento mais primitivo do que a segunda, que se caracteriza como uma emoção.

A raiva é nociva no sentido que a cada episódio libera uma carga extra de adrenalina no sangue, e esta concentração aumenta o número de batimentos cardíacos, estreitando os vasos sanguíneos. Problemas como aumento da pressão arterial, arritmia e infarto são consequências da raiva. Mas enquanto emoção, a raiva é algo pontual e que possui momentos para ir e vir.

Raiz

Já o ódio está fincado como uma raiz profunda da humanidade. Este ódio mata a si e ao outro. É uma necessidade de aniquilar aquilo que não é aceito. É a incapacidade de compreender o diferente. O outro passa a ser aquilo que está em desacordo com aquilo que penso, logo, contraria minhas verdades.

Problemas como aumento da pressão arterial, arritmia e infarto são consequências da raiva. Mas enquanto emoção, a raiva é algo pontual e que possui momentos para ir e vir.

As verdades são traiçoeiras. Sabe aquela velha máxima ‘suas verdades, minhas verdades’? Falar em verdades é, implicitamente, dizer ao outro que o que você pensa e diz é intocável, inquestionável e imutável, portanto, a diferença sucumbirá à violência das tais verdades. Precisamos acreditar menos em ‘verdades’ e mais nas convicções, haja vista que estas não precisam agredir o outro para existir.

Outras duas questões sobre o ódio são igualmente importantes para entender sua construção. A intolerância e o prazer, uma é alicerce, outro, o propósito.

Intolerância

A intolerância à diferença é traduzida na necessidade doentia de tornar o outro igual, desqualificando suas opiniões e diminuindo-o como ser humano. Daí a crise existencial para o intolerante, porque se dissonante do ‘eu’ é o ‘não-eu’, ou seja, a negação dele. Expressar a própria opinião e ter um posicionamento distinto é recriminado como algo errado. Eu não posso ser eu, tenho que ser o outro, senão sou retalhado.

O apresentador Jô Soares teve a calçada da rua onde mora pichada com os dizeres ‘Jô Soares Morra’. O que uma coisa tem a ver com a outra? Provavelmente a pessoa que faz isso confunde liberdade de expressão com preconceito e ressentimento social.

O Brasil, povo amistoso e cordial, aquele reconhecido como festeiro e acolhedor, de fato mostra ‘a sua cara’. Vivemos de aparência e esta falsa cordialidade reforça o mito em torno dela, tal qual Sergio Buarque de Holanda, um dos grandes historiadores deste País, nos revela em sua obra mais conhecida, ‘Raízes do Brasil’, de 1936. Dizia ele que amamos de coração, o que dá intencionalidade e intensidade, mas, igualmente, odiamos de coração. Somos cordiais também quando odiamos.

Raízes do Brasil: amamos de coração, o que dá intencionalidade e intensidade, mas, igualmente, odiamos de coração

Candomblé

Ódio sustentado por intolerância e que deixou sequelas físicas e emocionais em uma menina, que iniciada no candomblé, seguia com parentes e irmãos de santo para um centro espiritual quando foi atingida na cabeça por uma pedra, atirada, segundo testemunhas, por um grupo de evangélicos. Apedrejamento que é uma punição realizada em praça pública em países como Síria e Paquistão. Revivemos a Idade Média.

Oras, a intolerância religiosa está cada vez mais presente em nossa sociedade. E vamos combinar que vai desde um ‘chuta que é macumba’, desrespeito às religiões de matriz africanas, como a umbanda e o candomblé, a até mesmo o infeliz episódio da tão conhecida bancada evangélica que rezou dentro do plenário da Câmara, ferindo o Estado laico. Ou de fato se respeita a separação entre Estado e religião e que por sinal, existe uma lei específica regulamentando isso, ou vamos liberar as seitas satânicas, o espiritismo e os encontros mediúnicos e todos os orixás nos eventos do plenário.

A intolerância sexual em que os crimes de ódio matam não apenas a pessoa, mas que sentencia todo um grupo de pessoas por meio da homofobia, lesbofobia e transfobia. Intolerância que reforça o feminicídio, na qual, a cada meia hora uma mulher é assassinada por violência de gênero. São estupros coletivos da Índia ao Piauí. Mas este ódio não é exclusividade do Brasil. Países europeus se veem envoltos aos movimentos radicais de alguns partidos e uma crescente onda nacionalista entre a população. São recorrentes casos de xenofobia, racismo, intolerância sexual e religiosa.

O Brasil, povo amistoso e cordial, aquele reconhecido como festeiro e acolhedor, de fato mostra ‘a sua cara’. Vivemos de aparência e esta falsa cordialidade reforça o mito em torno dela.

Vítimas

Racismo que nos Estados Unidos fez mais vítimas. Dylann Storm Roof, 21 anos, em 2015 abriu fogo contra uma igreja em uma comunidade negra de Charleston, na Carolina do Sul, matando 9 pessoas. De acordo com amigos, o rapaz era racista convicto, acreditava na supremacia branca e idolatrava regimes racistas como o apartheid.

O fato de estes acontecimentos odiosos estarem aumentando – e eles sempre existiram – além de frequentes, os requintes de crueldade denunciam outro fenômeno. Um prazer ao ódio. Um prazer em senti-lo e propagá-lo. Existem aqueles que amam amar e outros que amam odiar.

Incitar ao ódio torna o odioso como um líder e no controle de seguidores que compactuam do mesmo ódio. São tempos de obscurantismo em que o ódio se traduz em desejo, estabelecendo uma relação de prazer em aniquilar o outro. Diante do ódio, enfrentamento e doses cavalares de empatia, diálogo e amor. Sigamos!!!

 *Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.