Mês do Orgulho LGBTQIA+: STF criminalizou a homotransfobia há quatro anos

Por IBDFAM*

Há quatro anos, em 13 de junho de 2019, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal – STF fez do Brasil um dos poucos países do mundo onde a homofobia e a transfobia são crimes. A Corte determinou que discriminações e ofensas contra homossexuais e transgêneros podem ser enquadradas na Lei do Racismo (7.716/1989). O julgamento teve o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM como amicus curiae.

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A decisão, ainda que provisória, determina que discriminações e ofensas às pessoas LGBTQIA+ podem ser punidas com pena de um a três anos de prisão, além de multa. Caso haja divulgação ampla do ato homotransfóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena passa a ser de dois a cinco anos, além de multa. O crime é inafiançável e imprescritível e a aplicação da pena de racismo valerá até que o Congresso Nacional aprove lei sobre o tema.

Autor de uma das ações julgadas pelo STF, o advogado Paulo Iotti, membro do IBDFAM, afirma que já é possível observar mudanças significativas na Justiça brasileira. “Temos visto vários processos sendo movidos por Ministérios Públicos diversos e condenações por crimes de racismo homotransfóbico. Ainda há resistências, mas diria que o balanço é positivo, pois a decisão entrou no inconsciente coletivo da comunidade jurídica, que agora sabe que se um discurso ou uma discriminação for considerado(a) homotransfóbico(a), haverá caracterização de crime. Isso é importante”, avalia.

Apesar disso, ainda é preocupante o fato da decisão não ter tido repercussão nos poderes Executivo e Legislativo, vide a falta de avanços nos projetos de lei que visam colocar expressamente que discursos de ódio e discriminações por orientação sexual e identidade de gênero configuram crimes específicos.

Até a decisão do STF, as pessoas se achavam em um ‘pseudodireito’ de serem homotransfóbicas.

“O STF entendeu a homotransfobia como crime ‘por raça’, no sentido político-social de raça social e racismo social, hegemônico na literatura antirracismo. Até que venha lei específica que coloque o racismo homotransfóbico como crime específico, como os racismos por ‘cor, etnia, religião e procedência nacional’, a homotransfobia continuará sendo enquadrada no crime geral de racismo, ou seja, nos crimes ‘por raça’”, afirma.

“Até a decisão do STF, as pessoas se achavam em um ‘pseudodireito’ de serem homotransfóbicas a pretexto de ausência de lei específica e mesmo com várias condenações por danos morais, no cível e no trabalhista, quando provada a homotransfobia. Então, para além de sua importância prática indiscutível, de considerar como crimes os discursos de ódio e as discriminações contra pessoas LGBTQIA+, a decisão teve um aspecto simbólico e educativo muito relevante, que também não podem ser menosprezados”, aponta.

Manifestações de ódio

A advogada Maria Berenice Dias, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, concorda e afirma que a decisão do STF carrega consigo impactos positivos não só para a sociedade em geral, mas também para os membros do legislativo brasileiro.

“Ela tem um caráter pedagógico na medida em que pessoas passam a entender que esses crimes são manifestações de ódio, assim como é o racismo. Uma decisão como esta acarreta novos processos e novas denúncias que pressionam os legisladores a legislar no sentido de assumir o seu papel de criminalizar a homotransfobia”, afirma.

Maria Berenice: a decisão do STF carrega consigo impactos positivos não só para a sociedade em geral, mas também para os membros do legislativo brasileiro

“O Brasil é um dos países onde os índices de crimes contra a população LGBTQIA+ é um dos mais altos do mundo, o que é um dado vergonhoso. É inaceitável e inconcebível que não haja uma lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia”, pontua.

Dados preliminares divulgados pelo site Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil revelam que nos primeiros quatro meses de 2023 foram registrados 80 assassinatos de pessoas LGBTI+, sendo que a população de travestis e mulheres trans representa 62,50% do total de mortes (50); os gays, 32,5% dos casos (26 mortes); homens trans e pessoas transmasculinas, 2,5% (duas mortes); e mulheres lésbicas, 2,5% (duas mortes).

Agora, o que se espera é uma legislação atualizada, tal como o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero.

“Diante de dados tão alarmantes, soa como covardia o fato de o legislativo não se movimentar pela proteção dessa população. Dessa forma, o Judiciário é convocado a se manifestar fazendo uso de uma ferramenta constitucional. De maneira corajosa, o STF supriu essa lacuna”, avalia.

“Agora, o que se espera é uma legislação atualizada, tal como o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, que foi arquivado, mas já tinha sido apresentado por iniciativa popular. É necessário que exista uma legislação abrangente como microssistema para regulamentar os direitos desse segmento e, inclusive, a própria criminalização dos atos de ódio”, conclui.

*O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM é uma instituição jurídica não governamental, sem fins lucrativos, que tem o objetivo de desenvolver e divulgar o conhecimento sobre o Direito das Famílias, além de atuar como força representativa da sociedade no que diz respeito às suas relações e aspirações sociofamiliares. Foi criado em 25 de outubro de 1997, em Belo Horizonte (MG), onde estabeleceu sede nacional.