Rita D’Libra usa a Língua Brasileira de Sinais para incluir, respeitar e abrir caminhos para a empatia

Desde criança o ator Lenon Tarragô sabia que adorava roupas e acessórios femininos, desde quando esperava a mãe sair para se jogar no guarda-roupa da irmã (cena clássica na infância gay). Parece muito natural que ele tenha se tornado a drag queen Rita D’Libra, agora com 29 anos e unindo arte, educação e inclusão ao performar usando a Língua Brasileira de Sinais, Libras.

Lenon é também pedagogo e participa da Associação Pestalozzi da cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Um lugar que, como conta ele, traz toda a energia necessária para continuar uma missão nobre, essencial e transformadora de realidades, porém ainda não devidamente valorizada em todo o Brasil: ser professor.

“Você tem um retorno muito positivo com os alunos e atendidos, eles são verdadeiros contigo e são capazes de diversas ações a partir da tua confiança neles”, conta à Ezatamag poucos dias depois de ter participado da live “Cabaré da Inês Brasil” como tradutora de Libras animadíssima roubando a cena e incluindo ao mesmo tempo.

E não para por aí. Rita quer o mundo todo e o isolamento social não a tem impedido de concretizar seus desejos. Pelo contrário, o maior tempo em casa trouxe mais coragem para ousar, se reinventar, quebrar paradigmas e colocar ainda mais objetivos em sua vida. Nem precisa traduzir que será sucesso!

Como você enxerga a realidade para os LGBT em Canoas?

Existe uma diretoria das diversidades aqui que trabalha com diversidade religiosa e de gênero. Tenho vínculo com eles e auxilio nos projetos que ocorrem aqui como parada livre, fóruns e já fiz, eu como sociedade civil, o primeiro sarau lgbtqi++ no município.

Intérprete de Libras, pedagogo, performer. Como está seu trabalho na quarentena?

Meu trabalho na quarentena continuou, dou aula no turno da manhã, porém em plataformas online, tem uma falta de assiduidade da metade da turma por ser assim, mas faço a minha parte e encaminho atividades impressas para a casa deles (além das online). Continuo a traduzir e interpretar em eventos, mas online. Tive o convite de trabalhar na live da Inês Brasil e então fui para o Rio de Janeiro e foi uma experiência incrível. Sobre as performances, continuo a fazer as minhas lives de “Bons drinks em Libras” junto com outros intérpretes ou nas casas noturnas que me convidam. Parece clichê, mas o início da pandemia foi o momento de se reinventar. Eu mudei muito como artista, como intérprete e como pessoa. Vários limites que eu mesmo me implantava, como sempre ficar discreto nos eventos, querer manter uma imagem artificial, ser padrão…. deletei isso. Comecei a ousar mais por falar com outros profissionais na língua. Pintar o cabelo, ter tatuagens… isso não vai diferenciar o meu caráter e minha ética profissional. Coisas que eu gosto e não fazia pelas más pessoas que me rondavam. Sou a primeira drag queen nacional a trabalhar com libras nas performances, iniciei essa história em 2016 e não conseguia ter uma visão híbrida das duas coisas por não ter uma referência. Agora tenho, uso referências de drags que admiro MUUUUITO como Ikaro Kadoshi, Aretuza Lovi e, claro, a Nany People (além de outras né) para me montar.A parte das informações vem de mim, algumas formas de traduzir de outros intérpretes musicais como meu amor Adriano Ruan e a Mari são dois fora da caixinha que eu tenho como referência.

E como você tem mantido a sanidade nestes tempos desafiadores?

Sanidade? Nunca tive muita! Kkkkkk artista e sanidade não combinam! Eu estou trabalhando para me manter centrado utilizando meditação, reiki e barra de access. Isso ajuda muito a me controlar e não querer fazer imprudências.

Você tem um retorno muito positivo com os alunos e atendidos, eles são verdadeiros contigo.

Por que você decidiu por este lado inclusivo da Libras e nas performances?

Aprendi Libras por ver a necessidade de comunicação com pessoas próximas, que moram no mesmo país que eu e não conseguem ter os “privilégios” de serem brasileiros. Quando comecei a performar, meus amigos surdos iam para a balada assistir e se eles estavam lá, me sentia na obrigação de trazer a acessibilidade para eles e mostrar o meu diferencial.

O que você mais gosta no seu trabalho na Pestalozzi?

Ser professor é fod*, uma coisa maravilhosa!! Ainda mais com educação especial! Você tem um retorno muito positivo com os alunos e atendidos, eles são verdadeiros contigo e são capazes de diversas ações a partir da tua confiança neles. Me surpreendo quando uma mãe me fala que eles melhoraram em casa, fico super contente quando vejo que a forma que explico o conteúdo está fazendo sentido para eles. E o retorno mais valioso é todo o carinho que volta para você.

Ainda temos muito o que fazer pela inclusão dessas pessoas? Como melhorar essa realidade?

Estamos muito atrasados na inclusão, acredito que a informação está chegando nos grandes poderes e que a pandemia pode ter ocasionado um atraso ainda maior nesse processo que estava lento, mas estava indo. Existem diversos tipos de deficiência, não há uma receita de atendimento para X porque mesmo ele tendo a mesma limitação do Y, existem outros fatores que circulam o desenvolvimento dele como o meio afetivo, estrutura familiar, condições financeiras, atendimentos extras que ele recebe. Todos esses fatores, entre outros, influenciam na dita inclusão e no desenvolvimento do sujeito. Acredito que políticas públicas direcionadas à ampliação nos atendimentos básicos como fonoaudióloga, psicologia, neuro e terapia ocupacional podem contribuir muito.

Tive o convite de trabalhar na live da Inês Brasil e então fui para o Rio de Janeiro e foi uma experiência incrível.

Quando você percebeu que a Rita existia em você? Como foi esse processo?

A Rita já estava há anos dentro de mim, talvez desde a infância mesmo. Quando minha mãe saía e eu ficava sozinho em casa, eu entrava no quarto da minha irmã e usava maquiagens e roupas dela. Alimento esse lado atualmente com minha drag queen, me identifico como homem cis, gosto de pessoas sem escolher pelo gênero e sim pelo caráter (mesmo tendo maior atração por homens), não consigo me encaixar em um rótulo ainda e a pandemia fez eu abrir os olhos e conhecer/acreditar/viver com o poliamor.

O que você pode dizer para as artistas que ainda estão se descobrindo e começando seu caminho?

Para os novos artistas que estão com medo de arriscar… se joga!!! Quer fazer tutorial de make? Faz!! Quer cantar?? Canta!!! Se divirta e não pense que se seu alcance inicial é uma pessoa, quando menos você esperar pode ser um país, um continente, um mundo! O medo sempre quer nos impedir de tentar, de arriscar e conseguir. SE JOGA, MANA!!!

Agora me conta qual é o seu maior sonho!

Sonhos não tenho não, tinha um e por incrível que pareça… realizei. Objetivos eu tenho vários, isso sim. Os principais agora são o de iniciar meu mestrado ano que vem, estudando a musicalidade para surdos. Quero/terei mais convites de traduzir outros shows; outro seria virar uma referência para novos artistas inclusivos e ter uma GANGDRAG entertainment!!

Instagram @ritadlibra