Caminhada São Paulo Negra recupera passado apagado das pessoas que ajudaram a construir um Brasil que (ainda) as exclui  

Um passado apagado, um presente ignorado e um futuro todo por construir formam a Caminhada São Paulo Negra. É um resgate da História negra na maior cidade da América Latina que revela como o racismo, o preconceito e a hegemonia branca podem fazer sumir locais, datas, pessoas e fatos tão importantes para que tode brasileire entenda melhor quem é. 

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É um passeio-aula que tem sua partida no bairro da Liberdade. Já começa errando quem acha que a região é toda oriental. Um dos responsáveis pela Caminhada, o jornalista Guilherme Soares Dias, do Guia Negro (promotor da ideia ao lado da Black Bird Viagens), abre essa viagem no tempo explicando que ali, cercada de letreiros orientais, está a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados. 

Cercada de letreiros orientais está a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados

Fica em frente ao já apagado Largo da Forca, onde escravos eram enforcados por terem cometidos crimes “atrozes” – nenhum deles, obviamente, maior do que capturar alguém em seu país natal e forçá-lo ao trabalho em outro continente. Nenhum deles, obviamente, cometido por pessoas que tinham o que comer, condições dignas de vida e perspectivas de futuro. 

Fica claro que o negro era visto como pessoa apenas para pagar pelos delitos, mas continuava sendo visto como coisa ao ser comercializado, ao ter um preço sobre sua vida fixado. Sim, onde hoje temos a estação de Metrô Japão-Liberdade antes era o fim da vida de tanta gente que não tinha essa tal liberdade. Impossível não se pegar pensando que muito pouca coisa mudou, infelizmente. 

Pelourinho era na Praça Sete de Setembro

É em tempos onde negros são assassinados em supermercados e presos por terem “cabelo cheio” que a Caminhada vai abrindo espaço por diversos pontos paulistanos que, no cotidiano, passam batidos. Justamente por terem sido apagados, varridos do mapa por uma cultura eurocêntrica, branca, preconceituosa e que abre espaço para a História negra apenas como folclore, diversão, exotismo.  

Um dos símbolos mais marcantes do Brasil escravagista, em São Paulo o pelourinho não pode ser visto. Sim, existiu um pelourinho paulistano, totalmente coberto pelo calçadão da Praça Sete de Setembro, na região da Sé. Onde hoje ficam vários órgãos do Judiciário, antes a justiça era feita sem que todos fossem iguais perante a ela. 

Capela dos Aflitos, na Liberdade, conta muito do passado negro do bairro

Aí você pensa: mas hoje continua igual, alguns são mais iguais do que outros para a Justiça. É justamente um dos pontos que o conhecimento pode derrubar. O racismo existe porque não há a compreensão da História negra – justamente por ter sido repassada em muito via tradição oral. Não interessava aos poderosos de até então contar a verdade – continua não interessando. 

A Caminhada faz um contraponto ao engessamento e parcialidade de fatos contados em livros didáticos de nossa História. Derruba mitos como, por exemplo, o do negro pacífico, que aceitava tudo sem lutar, que deveria ser grato ao seu senhor. Várias figuras visitadas no roteiro nos mostram que nunca foi assim. 

Largo São Francisco rememora a história de Luiz Gama

Na Praça da Sé, uma estátua do arquiteto Tebas celebra a genialidade e o talento reconhecidos também fora da Vila de São Paulo. A Rua 7 de Abril é o pretexto para rememorar a escritora Carolina de Jesus. Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, abre-se a história de Luiz Gama, jornalista, advogado, escritor e patrono da Abolição. Uma figura que vale um trajeto todo só dela: no dia 21 de agosto, a partir das 10h.  

É o futuro que pertence a pessoas empoderadas e que cada dia mais retomam os espaços que lhes foram tirados. Uma das paradas é a Casa Preta Hub, cheia de empreendedorismo unindo moda, cultura, arte, audiovisual e muita vontade de ampliar a criatividade de gente muito talentosa.  

Tempos de pandemia exigem máscara e consciência na Caminhada

É uma maneira de mudar um presente ignorado, mas jogado na cara de todes durante o trajeto: pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital paulista de maioria pretas e pardas, exemplificando um dos mais cruéis resultados do apagamento deste passado que também merece estar nos livros de História.  

Não é ceder nada. É devolver.  

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Fotos: Heitor Salatiel