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TRANSCENDER

Gael Jardim é homem trans com canal no YouTube para ajudar outros a se sentirem plenos

“Foi muito doloroso, porque me vi aos 33 anos tendo que recomeçar toda uma vida do zero sem esquecer a idade que tinha. Senti que fui obrigado a viver uma mentira a vida toda, ser quem eu nunca fui e me fazerem acreditar que eu teria que ser aquela pessoa para sempre.”

O grito abafado de Gael Jardim, do Rio de Janeiro, se tornou amplificador da voz das pessoas trans depois que ele superou os desafios da transição. O Transcendendo está presente no Instagram e no YouTube, onde os vídeos mostram a realidade do homem transgênero, o lado bom e o nem tanto assim.

Em um dos vídeos mais interessantes (acima), Gael entrevista o também homem trans Kauã Gabriell, morador da Casanem, na Lapa, Rio de Janeiro. Ele está grávido e topou dividir sua experiência, esclarecendo dúvidas, informando contra o preconceito. É com o mesmo objetivo que Gael falou conosco:

Você passou pela transição. É um sonho realizado?

A compreensão de mim mesmo enquanto uma pessoa trans começou quando escolhi meu nome. Nunca imaginava na vida que era possível eu viver como sempre me vi.  É uma libertação maior do que um sonho, eu saí dele (sonho) para a uma vida real que teria consequências.

Como foi o processo?

Foi muito doloroso, porque me vi aos 33 anos tendo que recomeçar toda uma vida do zero sem esquecer a idade que tinha. Senti que fui obrigado a viver uma mentira a vida toda, ser quem eu nunca fui e me fazerem acreditar que eu teria que ser aquela pessoa para sempre. E ao mesmo tempo uma liberdade, não importava o tempo, idade e sim que finalmente eu poderia ser feliz. Passei mais de um ano lendo muito sobre o movimento LGBT, conhecendo pessoas, participando de seminários, debates, estudos de identidade de gêneros, sexualidades, direitos, história. Ao longo desse processo decidi fazer a cirurgia de retirada dos seios e iniciar o acompanhamento hormonal, me entendi uma pessoa transexual. Após conseguir realizar cada etapa chegou o momento em que eu queria oficializar meu nome social como de registro e eu renasci para a sociedade. A escolha de fazer um acompanhamento hormonal e a cirurgia de mastectomia (retirada dos seios) foi apenas um dos caminhos. Eu aprendi com os estudos o que significava a palavra TRANS. *Transgênero = Pessoa que não se identifica com o gênero atribuído ao nascimento.  *Transexual = Pessoa que não se identifica com o gênero atribuído ao nascimento e que utiliza de meios através da medicina para adequar sua aparência como se percebe. *Travesti = Palavra atribuída as mulheres trans e símbolo de resistência adotado por elas como luta após anos de perseguição e colocadas como marginalização social. Não é uma obrigação fazer essas escolhas para ser uma pessoa trans. A transição começa a partir do entendimento que temos de nós. Toda nossa referência de gênero foi ensinada em grande maioria por pessoas cisgêneras e heterossexuais, portanto, achar que ser uma pessoa cis é o correto faz parte desses ensinamentos. Todo esse processo foi com muito suor, muitas dúvidas por conta do social, me questionava o tempo todo se era o certo que eu tinha feito, mais uma vez a sociedade implantava em mim a incerteza ao invés de apoio e respeito, segui em frente e tive inúmeras perdas ao longo de dois anos, me reconstruí, cresci e começou a necessidade de  compartilhar tudo que passei com outras pessoas iguais a mim.

O que você pode dizer para outros homens trans que ainda passaram pelo processo?

Que se amem a partir do momento que se entenderam como trans. Que não existe um padrão para ser trans. Vivemos uma estrutura social que precisa definir as pessoas e ditar sua aparência elegendo o que é belo, o que é certo, o que é tradicional. O Brasil é um país onde a distribuição de renda é desproporcional, portanto, decidem por nós através do recorte de classe quem pode e quem não pode fazer um acompanhamento hormonal, cirúrgico. O que é perigoso, porque pessoas podem aproveitar da angústia, aceitação, depressão de nós para se beneficiar financeiramente. Todo o processo de entendimento deve ser celebrado. Não precisamos ter medo de ser quem e como somos.

Qual a principal diferença, além da física, que você tem sentido?

A principal diferença foi minha forma de pensar ao longo do tempo, toda uma desconstrução engessada de anos. Eu sinto que estou mais fortalecido principalmente por ter me envolvido com os movimentos sociais, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas LGBTQI+ em suas diversidades múltiplas. Venho me desprendendo de conceitos que não servem mais para mim, como roupa definir gênero e tal coisa se direcionar para binário de gênero (é a classificação do sexo e do gênero em duas formas distintas, opostas e desconectadas de masculino ou feminino). O restante das diferenças foram as físicas. Como iniciei o acompanhamento hormonal, é importante ter alguns cuidados por causa dos rins, para evitar infecção urinária, por exemplo. A medicina avançou muito para nós, as primeiras cirurgias eram clandestinas e não havia segurança alguma com o resultado final, durante anos fomos e somos cobaias das cirurgias de mastectomia, histerectomia (remoção de parte ou da totalidade do útero, ovário, trompas), faloplastia (reconstrução ou colocação de prótese peniana) e os estudos ainda não apontam os riscos ou não dos hormônios aplicados para o resto da vida.

A principal diferença foi minha forma de pensar ao longo do tempo, toda uma desconstrução engessada de anos. Eu sinto que estou mais fortalecido.

Como você une sua experiência pessoal de homem trans nos seus vídeos? Os homens trans te procuram para tirarem dúvidas?

Quando iniciei minha transição e a cada processo que ela avançava era como se eu tivesse passado por uma linha imaginária e tivesse caído na invisibilidade, porque eu não era mais a “mulher” que a sociedade tentou me criar, tão pouco o homem que me tornaria por conta da reprodução de uma masculinidade tóxica, frágil e agressiva. Não me via com espaço para dialogar, foi nesse momento que encontrei nas redes sociais a porta que eu buscava para me comunicar. Criei um canal no YouTube chamado Transcendendo e uma página no Instagram @trans_cendendo e comecei a compartilhar minha experiência pessoal. Sempre levo pessoas para dar visibilidade e lugar de fala. Procuro usar referências de pessoas LGBTQI+, análises de conjunturas políticas que interferem diretamente na nossa vida. Com o passar do tempo conversando com várias pessoas nas redes sociais, nos movimentos aprendo constantemente que nós nos procuramos para dúvidas, questionamentos, troca de experiências pessoais, familiares, profissionais e política. Estamos em grande número fazendo com que aumente nossas demandas, necessidades e entendimentos de direitos.

Qual o objetivo dos vídeos?

São diversos. Informar, encorajar e dialogar com toda a sociedade para que tenhamos um mundo justo e seguro para uma pessoa LGBTQI+ viver. Pois os dados estatísticos nos mostram que o Brasil é o país que mais mata LGBTQI+ no mundo. Procuro gerar conteúdos que causem reflexão, identificação, possibilidades de novas perspectivas.

Gael: encorajar e dialogar com toda a sociedade para que tenhamos um mundo justo e seguro

Como promover a inclusão hoje em dia?

Dar protagonismo para as pessoas LGBTQI+ no que tange às suas demandas. Parar de sermos estudados, analisados, questionados e principalmente invisibilizando toda nossa história de vida antes da transição. Fazer com que mais e mais pessoas trans possam concluir seus ensinos básicos e adentrar uma universidade, programas de estágios, empregabilidade, carreira e viver de acordo com a Constituição Federal do nosso país.

Você acha importante que os homens trans ocupem todos os tipos de lugares? Por quê?

Sim! Porque sairemos da invisibilidade. Imagina ter um atendimento ginecológico de um homem trans para outro homem trans?  Enquanto cidadãos devemos sim dividir o protagonismo em todas as áreas da sociedade. Quanto mais estivermos nos lugares de destaque, menos preconceito sofreremos e assim não nos restará apenas a marginalização como alternativa de sobrevivência.

Quanto mais estivermos nos lugares de destaque, menos preconceito sofreremos.

O que é ser homem no mundo de hoje?

O que é ser homem ou mulher? Para mim é extremamente importante entender toda uma construção social de décadas onde apenas um gênero, o masculino cisgênero, é respeitado e não dar continuidade a esse sistema machista patriarcal. O mundo atual tecnológico nos permite mudarmos isso com mais rapidez. Precisamos nos respeitar como pessoas, simples assim.

Redação

Redação Ezatamentchy

3 Comments
  1. Marcia

    14/10/2019 20:16

    Valeu Gael!!
    Parabens pela coragem, solidariedade, e capacidade de luta.
    Te amo muito!!

  2. Juliana

    15/10/2019 14:39

    Parabéns!! Incrível o seu trabalho!

    • Zélia Jardim

      16/10/2019 20:09

      Filho, você é o meu orgulho como mãe. Hoje te compreendo e te amoooooo muito mais. Sempre disse que amor de mãe e incondicional! Continue este trabalho lindo e importante.

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