Paulo Gustavo usou o humor e a criatividade para levar a discussão sobre aceitação LGBT para milhões de casas brasileiras  

A melhor maneira de se falar sobre a mudança de plano espiritual de um artista que se dedicou ao humor é a leve, a engraçada, a construtiva. Assim se honra o objetivo daquelas e daqueles que decidiram dedicar seu talento a deixar a vida de todes mais leve – mas sem esquecer de trazer consigo também o questionamento. Foi ezatamentchy assim que Paulo Gustavo construiu sua carreira, muitos risos trazendo na rabeira aquele ponto de interrogação nada inocente. 

Termina sua passagem aqui pela Terra aos 42 anos e com uma carreira meteórica, pode-se dizer. Um sucesso estrondoso em um tempo que não foi dos mais longos, mas foi intenso, diferente e ponto de virada na imagem humorística dos LGBT. Sai o humor “A Praça é Nossa” e “Zorra Total” e entra o humor baseado na realidade, na proximidade. Paulo Gustavo apostou forte no pertencimento para conquistar o público, todes se viam em seus personagens. 

Dona Hermínia: mãe real de gay

Este foi o segredo, não seguir o caminho de tantes outres humoristas gays, que foram importantes e fizeram o que puderam em suas épocas. E Paulo também fez o que pôde, e pôde muito. Meteu o pé na porta do maior grupo de comunicação do Brasil, o Globo, e conquistou seuS espaçoS, no plural mesmos e com maiúscula. 

Uma força criativa crescente, com público também crescente, que papou horários da programação para seu “220 Volts”, jogando na cara da sociedade conservadora todo o seu modo ridículo de ser ao encarnar a Senhora dos Absurdos, criada na imaginação, mas infelizmente muito real nas altas rodas de “gente fina, elegante e sincera”.  

Emplacou também participações em outros programas como “Ferdinando Show” no episódio clássico da Bicha Bichérrima. Colocou no ar ainda “A Vila” e “Vai Que Cola” – que não para de ganhar novas temporadas e foi parar na programação aberta da TV Globo, isso não é pouca coisa. Além de dois filmes da turma da Pensão da Dona Jô que são sucessos de bilheteria. 

E é justamente no Cinema que está a mais massificada mensagem construtiva de Paulo Gustavo. Dona Hermínia, da trilogia “Minha Mãe é Uma Peça”, (originada em uma peça de Teatro de sucesso também gigantesco) abraçou o Brasil todo com seu jeito de mãe – e para a nossa comunidade muito mais do que isso, mãe de gay. É lindo o desenvolvimento da relação entre ela e Juliano (Rodrigo Pandolfo) ao longo dos três filmes. 

Disfarçando suas opiniões de humor, Paulo construiu uma mãe natural, real e preocupada. Nem tanto conflito, nem tanta aceitação. Dona Hermínia representou mães que todos os dias precisam tentar entender que seus filhos não são como elas achavam que eles seriam. Uma tentativa cheia de amor e vontade de ficar do lado da cria. 

E foi lentamente que a discussão sobre afetos não-heterossexuais entrou na história, de forma macia, natural, como deve ser. De um namoro bobo no primeiro filme, Juliano ganha no fim da trilogia seu casamento e um resumo do que pensam muitas mães de gays: a preocupação não é o filho ser gay, é a violência lá de fora, onde ela, mãe, não poderá protegê-lo.  

Foi justamente este rastro de afeto no turbilhão de risadas que pegou muita gente. Dentro das milhões de casas brasileiras que viram “Minha Mãe é Uma Peça”, em algum grau, a discussão foi estabelecida. Um exemplo de aceitação real, crível, foi apresentado. É uma colaboração que pode não ser o centro da atenção nos filmes, mas é a mais importante.  

Paulo Gustavo não termina aqui porque, como diria Bicha Bichérrima, “vamos ser bichas para sempre!”.