Confederação de agricultores familiares cria Secretaria LGBT para atender demanda ignorada pela militância brasileira
Há um silêncio violento dentro do movimento LGBT com relação a populações que não moram nas cidades, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, pescadores e camponeses. Existe LGBT de todo tipo, em todo lugar. Mas nem sempre eles se sentem contemplados em um discurso feito na e para a cidade. No ramo da agricultura familiar, a questão ganha contornos mais dramáticos – o preconceito dita que um agricultor gay não terá força física para ser um homem do campo e suceder seu pai na tarefa.
É sabendo que isso é uma bobagem e que todes são capazes de tudo que a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais (Conafer) criou a Secretaria Nacional LGBT+ Casa Tibiras, um espaço destinado à pesquisa, levantamento de dados e desenvolvimento de projetos voltados à nossa população e que está inserida nos diversos contextos da agricultura familiar.
Outra atribuição importante da Secretaria será a realização de um mapeamento dos agricultores e das agricultoras familiares que fazem parte desse público, para acolher, apoiar e encaminhar socialmente essas pessoas invisibilizadas pela sociedade e ignoradas dentro de um movimento LGBT que só considera o asfalto e esquece da estrada de chão.
A Casa Tibiras é um espaço importante tanto para entender que somos diversos e podemos amar quem queremos sem ter medo, quanto para levar esse debate para os não indígenas entenderem que não estamos congelados em 1500.
A pasta recebeu o nome de Casa Tibiras em homenagem ao indígena tibira – que quer dizer homem homossexual em Tupi – que foi morto em meados de 1614 pela Ordem dos Padres Capuchinhos Franceses, no litoral do Maranhão, sendo considerado este como o primeiro caso de LGBTfobia no Brasil. Além disso, vale ressaltar, esta importante Secretaria nasceu inspirada no documentário Terra Sem Pecado, que aborda as vivências dos indígenas LGBT+ dentro e fora das aldeias (leia mais aqui).
“A Casa Tibiras é um espaço importante tanto para entender que somos diversos e podemos amar quem queremos sem ter medo, quanto para levar esse debate para os não indígenas entenderem que não estamos congelados em 1500”, pontua a liderança jovem do Santuário dos Pajés e assessor da Casa Tibiras, Fetxawewe Tapuya Guajajara.
Falar sobre diversidade sexual e de gênero dentro de algumas etnias dos povos originários ainda é tabu, e isso se deve ao fato de os indígenas atualmente reproduzirem os preconceitos introduzidos pelos colonizadores, uma interferência que maculou e eliminou diversas culturas. Mas aos poucos o movimento indígena abre suas ocas para incluir em suas pautas as discussões sobre sexualidade.
“Acredito que a autoafirmação, enquanto sujeitos LGBT+ e o reconhecimento da pluralidade no contexto indígena, é imprescindível para melhor articulação do movimento indígena. Reconhecer as diversas pautas dentro do movimento é de suma importância para que nenhuma demanda fique para trás”, analisa o estudante de Ciências Políticas e colaborador da Casa Tibiras, Danilo Tupinikim.
O movimento LGBT+ em si, como está estruturado, não contempla as especificidades dos indígenas LGBT+, uma vez que o mesmo tem como referências as realidades estrangeiras, e não as vivências indígenas. É muito Stonewall para pouco samba.
”Ter comigo essas identidades é nem sempre ver portas abertas para mim. E tentar reverter isso nem sempre é fácil. Eu tento levar meu discurso e ocupar esses lugares que meu corpo não é bem-vindo. E fazer de uma porta aberta, uma sementinha que vou plantar, cuidar para que cresça que vire uma árvore que dê frutos para as próximas gerações de indígenas e LGBT+, assim como já fizeram por mim”, conta Cairú Macuxi, 22, o primeiro acolhido pela Casa Tibiras (foto em destaque).
O movimento LGBT+ geral tem sua construção baseada em vivências que não contemplam a diversidade dos povos indígenas. É importante esclarecer que apesar das diferenças, os dois movimentos precisam dialogar para o crescimento de ambos.
A Secretaria acredita que é importante que a diversidade a partir de múltiplas experiências abrace o sentimento de pertencimento à terra do indígena LGBT+, fundamental para semear e colher os frutos da cultura e da agricultura, das tradições e do trabalho, da produção e da arte, sempre com o olhar indígena de respeito pelo meio ambiente, à identidade e valores de cada etnia.
“O movimento LGBT+ geral tem sua construção baseada em vivências que não contemplam a diversidade dos povos indígenas. É importante esclarecer que apesar das diferenças, os dois movimentos precisam dialogar para o crescimento de ambos”, pondera Alisson Pankararu, estudante de Medicina e também assessor da Casa Tibiras.
A Secretaria Nacional LGBT+ Casa Tibiras é um espaço inédito no Brasil, aberto ao diálogo, à construção coletiva e, principalmente, ao acolhimento dessas pessoas que, muitas vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade.
O secretário Marcelo Costa explica que “a Conafer não só abraça esta causa, como também dará todo suporte aos agricultores familiares LGBT+, que agora ao invés de sofrerem violência em suas comunidades e serem expulsos por suas famílias, podem encontrar na CONAFER um espaço de proteção e segurança para desenvolver habilidades e competências”.