“Sócrates” traz tensão sexual, descobertas e a dura realidade de um jovem gay e negro no Brasil

Por Eduardo de Assumpção*

“Sócrates” (Brasil, 2018), longa de estreia de Alexandre Moratto, traz o imponente nome de Fernando Meirelles na Produção Executiva, além de ser o primeiro filme feito em conjunto pelo Instituto Querô, uma organização sem fins lucrativos apoiada pelo UNICEF que usa a produção cinematográfica para ajudar jovens de baixa renda.

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O longa é um relato íntimo e corajoso das lutas de um adolescente negro e pobre após a morte repentina de sua mãe, em uma cidade no litoral do Estado de São Paulo. O que confere a “Sócrates” sua originalidade são a precisão e a excelência exibidas em todas as áreas importantes de sua realização, desde a direção, roteiro, edição e fotografia até as duas atuações de destaque de jovens atores que ancoram o drama.

Quando vemos Sócrates (Christian Malheiros) pela primeira vez, ele está tentando acordar a mãe, e não é preciso gritar desesperadamente e sacudi-la imóvel para que ele perceba que ela está morta. O adolescente, de 15 anos, mal tem tempo para cair na dor, porque as questões práticas se intrometem.

Ele assume o lugar de sua mãe em seu trabalho de faxineira, alegando que ela está tendo um “dia de doença”, mas o chefe, suspeitando, não quer pagá-lo. Enquanto isso, o aluguel está vencido. Desde criança, Sócrates está subitamente imerso em um mundo de miséria e desgraças adultas.

O relacionamento que se segue pode fornecer a Sócrates um pouco de consolo, mas dificilmente é o porto seguro

Uma assistente social designada para seu caso é compreensiva, mas revela que suas opções são limitadas e que ser mandado para um orfanato é a mais provável. O pai de Sócrates, ao que parece, está vivo, mas permanece uma figura distante e sinistra até o final da história.

Ele vagueia de um lugar para outro em busca de empregos, mas as leis que visam beneficiar a força de trabalho não o ajudam: quando um empregador em potencial pede uma prova de que ele tem 18 anos, ele não pode fornecê-la. No entanto, nem todo empregador segue a lei, mas quando Sócrates consegue um emprego transportando canos de metal em um ferro-velho, ele enfrenta um tipo de desafio totalmente diferente.

Também trabalhando no local está Maicon (Tales Ordakji), talvez dois ou três anos mais velho do que Sócrates, e a interação inicial dos dois surge em uma cena  brilhantemente encenada. É tudo uma questão de olhares e movimentos carregados e da forma sinuosa como a câmera os enquadra.

Sócrates trabalha duro e rápido, tentando provar a si mesmo, e isso evidentemente incomoda Maicon, que não precisa da competição. Logo a hostilidade silenciosa irrompe em brigas, e o chefe tem que ameaçá-los para restaurar a ordem. Quando os dois jovens se separam no final do dia, sua aparente inimizade parece esconder outra coisa.

É tudo uma questão de olhares e movimentos carregados e da forma sinuosa como a câmera os enquadra.

A sugestão de tensão sexual nesta cena vem à tona mais tarde, quando Maicon liga para Sócrates e oferece a possibilidade de outro emprego. O protagonista aparece na casa de Maicon e fica rapidamente claro que o trabalho era apenas um pretexto. Maicon está interessado em outra coisa, mas ele não é o primeiro a agir de acordo com esse interesse; quando Sócrates se move para beijá-lo, ele inicialmente recua – como se não estivesse totalmente confortável com a convergência sexual que acabou de colocar em movimento.

O relacionamento que se segue pode fornecer a Sócrates um pouco de consolo, mas dificilmente é o porto seguro de que ele obviamente precisa. E, em um sentido mais amplo, ser gay e negro é outra camada de complicação e dificuldade que ele deve enfrentar, que parece ter uma importância particular para seu relacionamento obscuro com seu pai.

Uma das principais virtudes do roteiro de Moratto e Thanyá Montesso é como ele retém certas informações ou elementos dramáticos até o momento certo e, em seguida, os libera. O filme é muito habilmente traçado ao retratar a realidade brasileira. Na verdade, a extraordinária cinematografia de João Gabriel de Queiroz, colabora para nos imergir nesse mundo realista de miséria e sofrimento.

Disponível para Streaming no TELECINE.

*Eduardo de Assumpção é jornalista e responsável pelo blog cinematografiaqueer.blogspot.com

Instagram:@cinematografiaqueer

Twitter: @eduardoirib