Pantanal estreia hoje trazendo peão gay que é a voz abafada de tantos homens pantaneiros
Estreia hoje a nova versão da novela “Pantanal”, agora na Globo, e só quem (sobre)viveu sabe o fenômeno que foi a trama nos anos 1990 – inclusive para a nossa comunidade. Polêmica, bafão e muitas meias-palavras para o personagem Zaqueu, que acabou virando sinônimo para gay, bicha, viado, homossexual.
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Na versão original, Zaqueu era vivido por João Alberto Pinheiro, que morreu aos 31 anos por complicações da Aids logo depois do fim das gravações. O personagem tinha um amor não correspondido por Alcides, vivido por Ângelo Antonio e que agora será o papel de Juliano Cazarré.
Silvero Pereira será o novo Zaqueu. Ele chega à fazenda de José Leoncio (Marcos Palmeira) como mordomo, trocando a vida no Rio de Janeiro por uma mais simples na região. Mas não demora para se tornar um peão. E é ezatamentchy aí que o drama começa.
Escrevendo do alto da autoridade de quem era um peão gay pantaneiro na mesma época da primeira versão, posso afirmar que Silvero representará muitos homens gays mais sufocados do que as barrigueiras de seus arreios. Este é um universo hostil para quem não segue os padrões – neste caso o que se espera de um homem pantaneiro.
O preconceito machuca mais do que uma chifrada de boi bravo, derruba mais do que coice de cavalo.
É muito linda a enorme quantidade de imagens de tirar o fôlego que o Pantanal proporciona. É inesquecível, tanto quanto as partes não tão bonitas. Silvero, agora Zaqueu, representará uma população LGBT totalmente invisível aos olhos da própria comunidade à qual pertence – mesmo que não sinta pertencimento.
Zaqueu se tornou sinônimo de gay na primeira versão porque nestas terras de beleza onírica o chicote estala nas pernas de meninos surpreendidos descobrindo sua sexualidade, mas não são nomeados. Ninguém chama ninguém de gay, e viado é só aquele bem afeminado que todos apontam, mas desejam.
Nem sempre conseguimos, é como cair do cavalo, literalmente. Alguns de nós conseguem se soltar do estribo, outros tantos ficam rodopiando enroscados.
O personagem vai viver justamente a contradição que muitos de nós (eu) vivemos: somos capazes, muito, em outras tarefas, muitas, incontáveis. Mas não ser bruto é motivo de condenação, não ser tosco é brilhar na escuridão e pedir para ter sua luz apagada – tal qual vagalume quando amanhece.
É no silêncio das águas calmas do Pantanal que muitas vozes gritam para não serem ouvidas, não podem ser ouvidas. O preconceito machuca mais do que uma chifrada de boi bravo, derruba mais do que coice de cavalo. E a gente tenta crescer, colocando a botina, o chapéu e o cinto de fivela – nunca nos servem direito.
A gente tenta, Zaqueu, Silvero, a gente tenta agradar nossos pais, homens fortes sim, mas portadores da fraqueza do preconceito, fechados como porteiras altas, inatingíveis para nós como o outro lado do mata-burros. Nem sempre conseguimos, é como cair do cavalo, literalmente. Alguns de nós conseguem se soltar do estribo, outros tantos ficam rodopiando enroscados.
Você vai, Silvero, ser a voz do meu amigo Tiago, que é gay, mas casou-se com uma mulher cis por pura pressão. Tem dois filhos lindos e os ama muito, respeita a esposa dele, mas não é feliz. E toda vez que eu vejo o Tiago pelo Instagram eu sei que ele queria mais.
É no silêncio das águas calmas do Pantanal que muitas vozes gritam para não serem ouvidas, não podem ser ouvidas.
Mas a fazenda o chamou, o chapéu foi-lhe colocado na cabeça tão compulsoriamente que em uma semana ele estava na buatchy e na seguinte tinha voltado para o Pantanal. Lá, naquele silêncio cheio de vozes abafadas pelo estalo de um estalador.
Porque no Pantanal o couro come no sentido real. Só quem (sobre)viveu sabe.
Naiane Limmy
21/06/2022 22:52
A novela está péssima mesmo.