Espetáculo leva aos palcos ator contando seus dramas reais, os dramas de todos nós
É quando o tempo fecha e o arco-íris precisa de ainda mais cores que a coragem surge e quem quer fazer a diferença mostra a cara e desnuda seu ser-estar para dizer que a sua dor é a de todos. É no próprio passado, com pitadas de presente e nuances de futuro, que o ator Guilherme Yerthaal leva aos palcos os “Testemunhos Sagrados da Cronologia de uma Bicha”.
Ele assina a dramaturgia e a direção com produção da Galaxia Inc., uma plataforma artística que investe também na videoarte. Após quatro apresentações em São Paulo no primeiro semestre no colaborativo Espaço AP32, Guilherme volta ao cenário paulistano em setembro e depois leva seu testemunho para Curitiba.
Comoa vida de teatro independente não é fácil, uma campanha está arrecadando dinheiro para a montagem. “Estamos no começo ainda, falta cerca de um mês para o término. Tem poucos dias que começou. As minhas expectativas são as melhores. Gentchy ajuda a irmã bicha rsrsrs”, diz Guilherme (clique aqui).
Na entrevista abaixo ele conta mais sobre sua cronologia e reflete sobre o fazer arte em tempos sombrios:
Como surgiu a ideia de fazer a Cronologia?
Quando eu assisti à peça “Eu não sou bonita”, de Angélica Lidell, uma performer-atriz e dramaturga espanhola, eu fiquei desnorteado, no bom sentido, com o teatro que ela apresentava. Na hora disse para mim mesmo: “É esse o teatro que eu quero fazer!”. Um teatro real, diríamos assim, onde a personagem era a própria Angélica. Nessa peça ela parte de uma história real, de um abuso sexual pelo qual ela passou. Em casa, ainda anestesiado com a peça e, principalmente, com a dramaturgia da Angélica, eu sentei para escrever para tentar expressar o que eu estava sentindo e me veio a sensação muito forte de falar o que eu passei enquanto gay. Uma coisa levou à outra e dividi o meu texto de forma cronológica, que vai de 1978, o ano em que nasci, até os dias de hoje.
Ela fala ezatamentchy sobre o que?
Fala de sobreviver em um mundo cheio de bolsonaros e de uma Igreja, seja católica ou evangélica, mentirosa, misógina, pedófila e corrupta.
O que você espera ensinar ao público?
Eu não pretendo ensinar nada, e sim, transmitir, que apesar de todo o preconceito que existe, e não é pouco, é possível sobreviver. Viver não, porque o ser humano, infelizmente, não vive, nós ainda estamos sobrevivendo, é diferente. Então eu espero que o público saia fortalecido em si mesmo, e sem medo de ser o que é. Espero que as pessoas tenham um maior entendimento e respeito com relação ao outro. Que precisamos uns dos outros, e não de divisões.
As pessoas estão resistindo fazendo arte, pensando em arte e indo ver arte.
Como tem sido a recepção?
A melhor possível. Principalmente pelo público LGBTQI+, que se identifica com as histórias da minha vida que eu conto. No fundo, todo LGBTQI+ passa pelas mesmas coisas: bullying na escola, agressões verbais na rua, a primeira vez no sexo com outro homem ou com outra mulher, declarar para pai e mãe que é LGBTQI+, enfim … mas é interessante ter tido o feedback de heterossexuais, que se veem do outro lado, do lado do agressor, de como ouvir as histórias que eu conto sobre agressão os colocou num lugar do tipo, “putz, já fiz isso, ou falei isso pra um LGBTQI+”. Teve um cara hétero que falou pra mim, “Yerthaal, eu sou homofóbico. Como deixo de ser?”, aí eu respondi pra ele que a tomada de consciência sobre a homofobia já era um começo, e que perceber os lugares onde você manifesta sua homofobia já te prepara para se policiar numa próxima. Teve uma mina hétero, por exemplo, que se identificou no sentido de ela ser mulher e ter sofrido abuso e agressão. Uma mulher negra se achou nos meus relatos por ela fazer parte de um grupo excludente.
Como o público tem reagido à arte hoje em dia?
Tá rolando um movimento artístico muito forte hoje, ainda mais por causa desse nosso presidente. As pessoas estão resistindo fazendo arte, pensando em arte e indo ver arte. As minorias estão muito fortes também, em várias mídias artísticas, esse é o momento de falarmos, gritarmos e ter uma atitude mais afirmativa sobre quem somos e sobre o que queremos falar. A arte tem esse lugar de fala, e o público e os artistas estão conscientes dessa oportunidade. Acredito que o público, na sua maioria, esteja se esforçando pra entender a real situação que o mundo vive hoje, apesar de que uma grande parcela vem fazendo algumas bobagens de uns anos pra cá. A arte é a melhor arma HOJE. Só peço que olhemos mais aos artistas que não tem tantos recursos. Porque profissionais e artistas somos todos. Espero que o público saia fortalecido em si mesmo, e sem medo de ser o que é. Espero que as pessoas tenham um maior entendimento e respeito com relação ao outro. Que precisamos uns dos outros, e não de divisões.
Qual a função do seu trabalho em tempos de fake News e pós-verdade?
Sem dúvida nenhuma … rs … deixar mais dúvidas. O que é a verdade? Isso se choca com o meu texto. Muitas pessoas vêm me perguntar se o que eu falo na peça é real, se eu vivi aquilo, ou se é ficção. Se eu passei mesmo por tal situação, ou não. Acredito que a função da arte é não colocar um único pensamento, um ponto final, e sim embaralhar mais os caminhos possíveis.
Como esse projeto mudou sua visão sobre o ser humano? Em que sentido?
Minha visão sobre o ser humano, por mais que eu lute contra, é a mais pessimista. Na verdade esse trabalho me fez ver o quanto nós, gays, somos fortes e estamos ficando cada vez mais fortes, estamos aí sobrevivendo, tomando porrada e caindo em pé sempre. Nós estamos nos consolidando, mesmo que ainda apanhando, estamos com mais vozes, na política, no esporte, e claro, nas artes. Enquanto velhos comportamentos impostos por industriais misóginos e por uma Igreja pedófila estão ruindo em uma velocidade espantosa.
O projeto é feito com a Galaxia.Inc. Qual o conceito dela?
Galáxia Inc é uma plataforma artística, fundada em 2018 por mim e pelo Milton Oliveira, que trabalha com expressão artística em diversos formatos: artes cênicas, performance, audiovisual, videoarte, literatura, etc. Já produzimos o curta metragem “Halley&Marilyn duram apenas o tempo dessa história” (Brasil | 2019 | 06’37”), que foi o único representante brasileiro na mostra competitiva internacional do 9º Cineversatil | Festival Internacional de Curtas LGBTQ+ de Buenos Aires, e que segue carreira em demais festivais. Essa plataforma tem também colocado no ar, em suas redes, diversos outros trabalhos voltados para a expressão artística e dramatúrgica. Estamos no Instagram: @oficialgalaxia, Facebook: facebook.com/galaxiainc, Vimeo vimeo.com/galaxiainc e Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCpJGjvF2MzUXQ33WI6rBzbA?view_as=subscriber
Porque é importante unir pessoas em torno da arte como vocês estão fazendo?
Porque, assim como a educação e um sistema de saúde dignos, a arte te dá força pra pensar, pra ser e construir, em nome de algo maior. Na verdade esse trabalho me fez ver o quanto nós, gays, somos fortes e estamos ficando cada vez mais fortes, estamos aí sobrevivendo, tomando porrada e caindo em pé sempre.
Espero que o público saia fortalecido em si mesmo, e sem medo de ser o que é. Espero que as pessoas tenham um maior entendimento e respeito com relação ao outro. Que precisamos uns dos outros, e não de divisões.
Como superar o desafio de fazer teatro independente?
Todo Teatro é complicado de se fazer, seja aqui ou em qualquer outro lugar. Se é independente então, é mais do que se virar nos trinta, mas no fim tem algo muito foda que é o suor do trabalho convertido em casa cheia em todas as apresentações e, claro, o carinho das bicha. Estamos independentes e somos profissionais. Muitas pessoas, até mesmo da classe artística, ligam o independente ao amador, e isso não é verdade. Estou independente porque não conto com a ‘panelinha do Teatro’ ou leis de incentivo. Mas prefiro dizer que sou independente porque sou punk. Bicha e punk! Não preciso estar em espaços teatrais consolidados para ser um artista, e nem do aval de alguém para dizer que sou artista. Aqui em São Paulo, na primeira temporada, o lugar perfeito, ideal, pra minha peça, quer dizer, prefiro chamar de programa performativo cênico, foi o Espaço AP32, sede da Totus Porcus Cia, que tem essa iniciativa maravilhosa, um apartamento no coração do Bixiga/Bela Vista. Um espaço teatral dentro de um apartamento. Bem Nova Iorque anos 70, rs.
Como o mundo pode ficar melhor com toda essa força criativa?
Ganhando a consciência do RESPEITO e do APOIO ao próximo.
Instagram: @cronologiadeumabicha
Instagram: @oficialgalaxia
Facebook: facebook.com/cronologiadeumabicha
Fotos: Felipe Lisboa Castro @felipelisboacastro
Nós estamos nos consolidando, mesmo que ainda apanhando, estamos com mais vozes.
Luisa Erthal
28/08/2019 22:09
Sucesso Guilherme!!!
Marco
29/08/2019 07:38
Merda!!!