Luís Felipe Camargo abusa das cores para levar diversidade e beleza onde a luz não chega

Se numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo, para o artista paulistano de 34 anos Luís Felipe Camargo sempre foi melhor se neste castelo coubesse toda a diversidade, se ele fosse belo e muito colorido. Como as aquarelas que ele pinta – vistos em várias exposições nacionais e internacionais.

Atualmente morando em Campinas depois de temporada na Espanha, Felipe vem se descobrindo cada vez mais empático e focado na questão da cidadania. “Enfiar diversidade e beleza mesmo quando o briefing não pede. E se conseguir que meu trabalho sirva de plataforma para gente incrível, vou ser muito concretizado”, conta.

Quer fomentar essa discussão com um projeto sobre o que significa ser homem, a masculinidade abordada sob o ponto de vista de pessoas de vários tipos, que se identificam ou se identificaram com o gênero masculino. “Vários corpos, várias etnias, várias histórias.” Ao mesmo tempo, continua ministrando oficinas onde diz aprender mais sobre si mesmo do que ensinar ao outro, um sábio.

Sempre evitei rótulos, conta Luís Felipe

Abaixo ele conta melhor como sua vida tem ficado mais colorida com a empatia:

O que é ser um artista queer? Como você se tornou um?

Eu sempre procurei evitar rótulos, para não me restringir e também não me apropriar de conceitos que às vezes não consigo segurar, rs. Sobre o artista, eu acredito que é um título de reconhecimento que os outros te dão, por isso prefiro dizer que sou ilustrador. Se toco os outros ao ponto de verem o que eu faço como Arte, então efetivamente ganhei meu dia. E o “queer”, bom, fugi muito dessa palavra, uns 10 anos atrás. Não por vergonha ou preconceito, mas queria me estabelecer como um ilustrador que pintava de tudo, não queria me restringir. Mas o tempo foi passando, muita coisa rolou, e senti que tinha que tomar uma posição, que tinha algo para somar na voz de tanta gente maravilhosa que trabalha em prol da minha comunidade. Fui pesquisar, fui ler, fui me desconstruir, continuo nessa luta interna, porque acredito no poder transformador da imagem e da Arte. Comecei por puro incômodo, com o fato de o corpo feminino haver sido tão explorado e normativa na Arte, e o masculino sempre sendo taxado de pornografia, erótico, lascivo. E também uma falta total de representatividade e diversidade de corpos, etnias, histórias. A ideia de trabalhar nesse Gap já existia, mas eu tinha muito que aprender de técnica e expressão, e fui focar nisso. Hoje trabalho num projeto, que está bem embrionário, sobre o que significa ser homem, masculinidade sob o ponto de vista de pessoas de vários tipos, que se identificam ou se identificaram com o gênero masculino; vários corpos, várias etnias, várias histórias. Tô bem no começo, mas vamo que vamo.

Qual espaço você pretende ocupar no Brasil dos tempos atuais?

É uma pergunta complicada, e eu sou de Gêmeos, assim que nada para mim é simples. 2019 tem sido um ano bem agridoce para mim: coisas muito legais acontecerem, mas tudo regado a notícias péssimas a nível político, social, econômico. Tenho tentado me informar e contrastar informações sobre tudo o que eu tenho visto, porque afinal, hoje em dia é preciso mais do que nunca verificar suas fontes. A palavra-chave pra mim tem sido cidadania, e tenho tentado me orientar em cima desse conceito; mais no sentido de “estou fazendo a minha parte”? Minha meta é buscar esse reconhecimento profissional e uma boa posição no mercado, mas tendo em mente um impacto positivo do meu trabalho; enfiar diversidade e beleza mesmo quando o briefing não pede. E se conseguir que meu trabalho sirva de plataforma para gente incrível, vou ser muito concretizado.

A beleza, assim como muitas coisas, é bastante agridoce, tem prazo de validade, pode não ter valor nenhum, pode ser a razão do seu viver.

Como surgiu a paixão pela aquarela?

Surgiu muito ao acaso. Já no final da minha especialização em Ilustração, eu estava experimentando técnicas, vendo o que eu gostava, e a aquarela era a que mais atendia minhas necessidades de espaço e financeiras. E fui experimentando. Costumo dizer que é meu grande caso de amor; levei ela nuns dates, nosso papo fluiu e casei com a aquarela. A gente se estapeia às vezes? SIM. Mas a gente se ama. Fui pintando e, cada vez que alguém dizia que aquarela não ser via para isso ou para aquilo, eu tentava até provar que dava. Sempre busco informação, e tenho amigos aquarelistas muito, muito talentosos com quem aprendo todos os dias.

Qual a importância da cor na vida das pessoas?

Das pessoas eu não sei, mas sei que é tudo para mim! Minha casa é colorida, minhas roupas são estampadas, e adoro um color Block, tem tudo a ver com sentimento e felicidade, sensações mesmo que trago para o cotidiano e fazem a rotina ser menos sem graça. Também minha ferramenta de trabalho, então é muito filosofia grega para mim: verdadeiro, bom, útil, belo e catártico.

Sua arte mistura amor e dor para resultar em beleza. Por que essa mistura? Viver dói?

Acho que dor é dos muitos ingredientes da vida; assim como se tempera a comida com muitos sabores, a vida tem isso.. dor, alegria, tesão, tristeza. E a beleza, assim como muitas coisas, é bastante agridoce, tem prazo de validade, pode não ter valor nenhum, pode ser a razão do seu viver. E amor é tudo, não tem nada melhor, mas só amor não basta. Muito deprê? Juro que sou bem alegre e otimista, rs. Gosto de retratar essa grande mistura que é a vida, e a complexidade das pessoas, suas histórias; acho lindo e me deixa muito curioso. Sou um amante da figura humana, dos animais e plantas, meu trabalho foca muito no que está vivo. E com isso vem a crueza de algumas coisas.

“Hearts Have no Gender”, criada para o Dia Internacional Contra a Homofobia

De onde surge essa vontade de misturar?

Acho que tem a ver com meu olhar, e com a forma que penso as coisas, tudo se toca e se mistura já na vida real. Meu imaginário é muito simbolista, e isso me faz ir procurando e criando códigos que se repetem, que falam coisas. Muito é intencional, muito sai sozinho e vejo depois. Procuro só pensar mesmo sobre meu trabalho, quando dou por concluída a série em que estava trabalhando, por puro medo de perder essa espontaneidade, esse acaso.

Quais os planos? Continua com as oficinas? Alguma exposição em vista?

Se tem algo que eu tenho são planos, tenho listas de planos, rs. Continuo ministrando Workshops porque amo ensinar, e aprendo muito sobre mim, sobre o outro e sobre Arte. Tenho pensando em novas formas de produzir, e flertado muito com Direção de Arte, então voltei a estudar. Exposição tem sim, mas ainda é top secret; mas logo, logo tá ai, nas redes! 😉

Instagram @fepelino

www.luisfelipecamargo.com