Jornalista amplia voz da população negra com programa de entrevistas e caminhada histórica

A semente do Jornalismo de Guilherme Soares Dias cresceu enraizada nos movimentos sociais e na luta contra as vulnerabilidades. Foi aguada com experiência e sabedoria, se tornou uma árvore frondosa de autoconsciência e inquietude e deu frutos que podem ser colhidos por todos os famintos por empatia.

Ele é o responsável por uma caminhada por pontos da cidade de São Paulo e uma série de entrevistas para resgatar a história de uma população que é a maioria dos brasileiros, 53%, mas continua sofrendo. Guilherme usa o poder das redes sociais para conversar com gente que faz a diferença em sua área e serve de ótimo exemplo para todos no programa Guia Negro Entrevista (veja a temporada completa clicando aqui).

Já com a Caminhada São Paulo Negra, explica fatos históricos não tão conhecidos que provam a crescente e urgente necessidade de colocar o negro no lugar dele – onde ele quiser, sem ninguém para impedir. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os dois projetos e analisa como a realidade atual tem afetado a população negra:

Qual é o objetivo das entrevistas? Como você escolheu os entrevistados?

A intenção do programa é mostrar personalidades que fazem trabalhos interessantes em suas áreas. Ouvir e compartilhar histórias, mostrar os trabalhos, lugares e afetividades de pessoas negras que se destacam no que fazem. O programa Guia Negro Entrevista é produzido pela Terra Preta Produções e junto com a equipe pensamos as pessoas que queremos conhecer melhor. Eu diria que o critério é admiração e interesse pelo trabalho.

Guilherme: Brasil passa por um processo de genocídio da juventude negra

Por que é importante dar voz aos negros ainda mais hoje em dia?

Somos 53% da população brasileira, apesar disso temos pouco espaço na mídia. A intenção é ocupar esse espaço e mostrar que tem um monte de gente fazendo trabalhos interessantes que a gente nem imagina. E tentamos fazer isso em todas as etapas, que vai desde a equipe, passando pelo entrevistado, pelos lugares escolhidos para a entrevista, até a frase que cada pessoa cita ao final do programa, que é sempre de alguém negro.

Você acredita que mostrar esses exemplos de pessoas ajuda a construir autoestima? Como?

Com certeza. É uma forma das pessoas se verem na tela, se sentirem representadas. Outro dia uma psicóloga me procurou no Instagram, pois estava trabalhando com um adolescente e queria ajudar na construção da autoestima dele. Ela perguntou se eu poderia mandar referências. Eu enviei o link dos programas. Ela disse que tinha ali um pote de ouro, pois o paciente podia perceber que tinha várias pessoas com o mesmo tom de pele, os mesmos traços, o mesmo cabelo que eram sucesso em diferentes áreas.

Somos um dos países da diáspora africana mais racistas do mundo porque ainda não chegamos ao poder. Deputados e senadores negros ainda são cota.

Quais os principais desafios das pessoas negras no Brasil bolsonarista?

Sinceramente, acho que o primeiro desafio é seguirem vivas e sãs. O Brasil passa por um processo de genocídio da juventude negra, em que jovens negros são vistos como perigosos, mas eles sofrem perigo, são abordados pela polícia de forma grosseira, são confundidos com bandidos. Permanecer com a mente saudável é o segundo desafio de uma população que é cobrada a ser forte, que tem os piores indicadores sociais e vê conquistas como cotas no emprego público, na universidade e mesmo o acesso a programas sociais ameaçados.

Quais espaços ainda precisam ser conquistados?

Acredito que a política. Não vamos avançar e chegar aos patamares que queremos se continuarmos tendo governantes majoritariamente brancos. Somos um dos países da diáspora africana mais racistas do mundo porque ainda não chegamos ao poder. Deputados e senadores negros ainda são cota. Um presidente ou uma presidenta negra ainda é um sonho distante. A gente precisa ocupar esse espaço.

Sempre tem algo ligado a resistência, mas há também um sentimento de irmandade crescente. Temos dores, mas também muitas delícias.

Você também faz a Caminhada Negra, é um resgate da história afro? Por que ela é importante?

A Caminhada São Paulo Negra é organizada pela Black Bird Viagem (www.blackbirdviagem.com.br), ocorre uma vez por mês e conta as histórias da cidade com a maior população negra fora da África. Afinal, São Paulo tem mais de 4 milhões de habitantes negros e várias histórias apagadas. Um exemplo disso é o bairro da Liberdade, que foi a primeira periferia da cidade, ocupado primeiramente por pessoas negras e que ganha esse nome por conta de um homem negro, chamado Francisco José Chagas, que foi enforcado lá, mas que hoje é conhecido apenas como bairro japonês. Tivemos um pelourinho (poste para tortura de escravizados) no bairro e um Cemitério dos Aflitos, dedicado a pessoas negras por lá. Essas narrativas começam a ganhar mais força e vamos entendendo que não existe uma história única. Além disso, contamos sobre a nova migração africana, muito visível na região da República, principalmente, e sobre os ritmos negros tão característicos da cidade como o rap, o hip hop, o funk paulista e o samba rock.

A intenção é fazer as pessoas pensarem e repensarem quem são

O que você pretende passar como mensagem para quem participa?

A intenção é fazer as pessoas pensarem e repensarem quem são e o que estão fazendo. Perguntamos para todos os entrevistados “O que é ser um corpo negro no mundo”. É algo para entender qual é a experiência delas e como vivem. Cada um traz muito de si e todos se repensam. Recebo muitas mensagens de pessoas falando que passaram a pensar sobre como é essa experiência para elas. Sempre tem algo ligado a resistência, mas há também um sentimento de irmandade crescente. Temos dores, mas também muitas delícias e o programa pretende trazer essas complexidades de forma leve.

Como você enxerga o futuro do negro no Brasil?

Vejo a gente avançando, conquistando novos espaços e de um puxando o outro. Esse sentimento de irmandade é muito forte e crescente. Tem um termo que se tornou clichê que é o empoderamento, mas que é importante para marcar que as pessoas passaram a se entender como negras e que há uma beleza e uma potência nisso. Essa compreensão ainda não chegou em todos os lugares do Brasil, em todos os extratos da sociedade, mas ela vem aumentando. Passa pela revolução estética de assumir os cabelos afros, ante os alisamentos que são cada vez mais algo do passado e chega ao consumo, em que as pessoas escolhem comprar de outras pessoas negras, em detrimento de negócios liderados por brancos. Espero que nosso próximo passo seja esse que citei, o de chegar ao poder!