Por Breno Rosostolato*

O povo brasileiro é cordial, sempre escutei isso desde que me conheço por gente. A maioria dos estrangeiros nos vê como simpáticos, acolhedores, alegres, festeiros, mas esta cordialidade não revela, de fato, a verdade, a intenção e o pensamento por detrás da imagem transmitida. Cordialidade que serve, muitas vezes, de fachada, assim como afirma o sociólogo Antônio Cândido: “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”.

Sergio Buarque de Holanda, um dos grandes historiadores deste país, nos revela o mito do homem cordial, descrito em “Raízes do Brasil”, livro de 1936. Cordial vem de coração, referente ou próprio do coração. Implica dizer que o brasileiro é um povo generoso de coração, a ideia recorrente e desgastada de que possuímos o “coração de mãe”, sempre cabe mais um. Amamos de coração, o que dá intencionalidade e intensidade, mas igualmente, odiamos de coração. Somos cordiais também quando odiamos.

Sergio Buarque de Holanda nos revela o mito do homem cordial

Reconhecer que odiamos é difícil, porque não aceitamos este sentimento, ou melhor, reconhecemos o ódio, mas não em nós. Falar de ódio é mais cômodo quando atribuído ao outro. O professor e historiador Leandro Karnal define bem este pensamento quando diz que algumas pessoas parecem “ilhas de pureza e inocência” cercadas de ódio por todos os lados. Karnal fala do pacifismo do brasileiro, o que seria constituinte da nossa civilidade, ou a ideia que fazemos dela.

Este conceito de civilidade é efêmero, pois cria um cenário fantasioso de que nossas famílias, nossa cidade, é onde reside a civilidade e que a barbárie está fora dela. Uma falácia. Vivemos este mito do homem cordial e não nos damos conta que originamos, cultivamos e perpetuamos este ódio.

O Brasil é um país que se revela cada vez mais reacionário através de seu povo e dá inúmeros exemplos para sustentar esta triste realidade.

O Brasil é um país que se revela cada vez mais reacionário através de seu povo e dá inúmeros exemplos para sustentar esta triste realidade. As pessoas discutem e manifestam suas opiniões partidárias, se esforçando com inúmeros argumentos.

Formulam teorias, desde as mais simplórias, denunciando falta de conhecimento sobre aquilo que defendem, até teorias conspiratórias, embasadas no medo e, possivelmente, na mesma falta de conhecimento. Muitos são ponderados, demonstrando preocupação com o rumo do país e fomentando boas e saudáveis discussões.

Infelizmente, o que tem acontecido nas redes sociais é uma verdadeira segregação e a manifestação explícita do ódio. Um binarismo entre bem e mal, pobres e ricos, Norte e Nordeste contra Sudeste e Sul. Visões deturpadas e violentas do outro que não deve ser entendido como rival ou inimigo, mas cuja opinião deve ser preservada e respeitada.

Karnal fala do pacifismo do brasileiro, o que seria constituinte da nossa civilidade, ou a ideia que fazemos dela

Ter uma posição diferente da sua não deveria ser ameaçador. Se for, talvez o problema esteja em você, afinal a diferença é agregadora e não segregadora, e são as suas limitações que não permitem sustentar esta diferença.

Somos uma sociedade de pessoas que se esforçam para ser simpáticas, mas não empáticas. Retórica enfatizada por Karnal. O amor e ódio, que andam lado a lado, são a representação clara da dualidade emocional e que sustenta nossa contradição.

Escutamos a opinião do outro, mas às costas dele criticamos e detestamos o que acabamos de escutar. Uma raiva que surge pela discórdia que cresce até virar ódio. Mas que está sempre nele e não em mim. Freud explica. É a morte na própria vaidade e no narcisismo descontrolado.

Escutamos a opinião do outro, mas às costas dele criticamos e detestamos o que acabamos de escutar. Uma raiva que surge pela discórdia que cresce até virar ódio.

A intolerância à diferença é traduzida na necessidade doentia de tornar o outro igual, desqualificando suas opiniões e diminuindo-o como ser humano. Expressar a própria opinião e ter um posicionamento distinto é recriminado como algo errado. Eu não posso ser eu, tenho que ser o outro, senão sou retalhado.

Entretanto, é a diferença do outro que cria reflexo em nós e favorece o autoconhecimento.

*Breno Rosostolato é psicoterapeuta, educador e terapeuta sexual, professor universitário e pesquisador sobre violência de gênero, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual e masculinidades. É um dos responsáveis pela LovePlan, empresa especializada em relacionamentos.