Dois pais homoafetivos e três adoções necessárias (Parte VI)
Por Toni, David, Alyson, Jéssica e Filipe Harrad Reis*
Em fevereiro de 2012, Alyson começou no 6º ano do Ensino Fundamental. É um colégio da rede pública estadual de ensino. No primeiro dia, David foi até a escola com Alyson de manhã cedo e conversou com as pedagogas sobre o histórico de Alyson e o fato de ele ter dois pais gays. A resposta foi que a única novidade era ter dois pais; já tinha outros/as estudantes com duas mães e havia uma professora transexual. Toni foi buscar Alyson na hora do almoço e conversou com a diretora e outros docentes.
Foi importante fazer isso para já deixar tudo às claras e ter o corpo docente preparado em caso de nosso arranjo familiar causar problemas de “bullying” para Alyson na escola. Em casa já havíamos abordado isso com ele, especialmente no planejamento e na identificação das ameaças externas. Também foi importante ter essa aproximação com a escola para poder acompanhar o desempenho e o comportamento dele. Já fomos lá várias vezes, tanto por termos sido chamados como por conta própria.
Apesar de ser criativo, vivaz e líder, Alyson também é curioso, tem dificuldade em se concentrar e “se esparrama” (palavras dos/das professores/as) em vez de sentar na carteira. São coisas que foram sendo trabalhadas gradativamente, tanto pelos/as professores/as quanto por nós. Acompanhamos de perto o caderno dele e os trabalhos de casa, ajudando quando precisa, verificando se fez e trabalhando junto na preparação para as provas.
Também foi importante ter essa aproximação com a escola para poder acompanhar o desempenho e o comportamento dele. Já fomos lá várias vezes, tanto por termos sido chamados como por conta própria.
O rendimento escolar melhorou muito no segundo bimestre, com média acima de 9. No entanto, não dá para bobear! É preciso insistir. Para isso também foi estabelecido no contrato um horário para estudar em casa. Depois de dois anos na escola, Alyson estava chegando com frequência em casa com bilhetes sobre o mau comportamento dele, além das ligações recebidas das pedagogas.
No final, percebemos que não era só um caso de disciplina, já que nossas medidas de disciplina em casa não estavam tendo mais efeito sobre o comportamento dele na escola. A solução foi um psicólogo. Depois de um ano consultando com o psicólogo, Alyson melhorou muito e diminuíram bastante as reclamações sobre o comportamento dele na escola.
Alyson considerava muito boa a escola do Ensino Fundamental II: “parece até privada de tão boa que é. As pedagogas são ótimas. Também ajudam a dar limites para mim. Meus amigos são muito legais. No entanto, às vezes colegas fazem brincadeiras de mau gosto como, por exemplo, escrever atrás do armário (já duas vezes) coisas pejorativas sobre a minha família homoafetiva.”
Agora já está no 1º ano do Ensino Médio e os colegas de classe têm outra mentalidade e o aceitam como ele é.
Alyson passou a fazer natação duas vezes por semana e começou a frequentar os escoteiros. Atualmente também faz dança cinco tardes numa escola de dança onde teve a felicidade de ganhar uma bolsa, além de ter aulas de inglês e matemática. Têm sido meios para Alyson também ter uma vida própria, de certa forma independente de nós, porém com acompanhamento, além de gastar a energia que ele tem em quantidades copiosas.
Em julho de 2012, após o final do período de convivência, houve a adoção definitiva do Alyson. Somos um casal bastante público no sentido de sempre termos achado importante dar visibilidade à questão gay e mostrar para a sociedade que não se trata de um “bicho de sete cabeças”.
Junto com Alyson, resolvemos tornar público também o fato da adoção dele por dois pais gays. A notícia gerou um debate acirrado no maior jornal do nosso Estado (PR), que durou mais de uma semana. Valeu a pena porque trouxe o assunto à tona e serviu para diminuir a polêmica, inclusive o desfecho do debate foi muito mais positivo do que negativo para a adoção homoafetiva.
Com a adoção definitiva, fomos ver a documentação de Alyson. A carteira de identidade que ele fez quando veio morar conosco foi feita com seu nome anterior. Com a nova certidão de nascimento em mãos, na qual no item “filiação” Alyson tem dois pais, fomos fazer o novo RG. A atendente, muito educada e atenciosa, não conseguiu fazer porque não constava o nome da mãe do Alyson, necessário para o sistema.
Tivemos que ir até o diretor, que depois de se certificar de toda a documentação, inclusive a sentença da adoção, autorizou. Agora Alyson tem RG com seu novo nome e o nome de seus dois pais. Ao fazer o CPF, ocorreu a mesma coisa. Nos Correios não foi possível fazer o CPF porque faltava o nome da mãe. Mandaram procurar a Receita Federal, onde o atendente também não conseguiu fazer pelo mesmo motivo.
Resolvemos tornar público também o fato da adoção dele por dois pais gays. A notícia gerou um debate acirrado no maior jornal do nosso Estado (PR), que durou mais de uma semana. Valeu a pena porque trouxe o assunto à tona e serviu para diminuir a polêmica.
Finalmente a chefe dele venceu a burocracia e emitiu o CPF do Alyson.
Um ano depois de vir morar conosco, Alyson disse que “nesses últimos três meses, eu já estou confiando nos meus pais, inclusive coisas íntimas, meus desejos, eu não preciso disfarçar. Eles não gostam de enrolação, de enganação e tampouco de mentira. Nosso diálogo é aberto e franco, mesmo que de vez em quando rola um ‘estresse básico’”.
*Toni Reis é pós-doutor em Educação, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, pai de Alyson, Jéssica e Filipe e marido do David
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