Dois pais homoafetivos e três adoções necessárias (Parte IV)
Por Toni, David, Alyson, Jéssica e Filipe Harrad Reis*
Nos cursos sobre adoção tardia que fizemos, eu e David, foram vários os relatos de “regressão”, isto é, quando a criança volta a ter comportamentos que seriam de crianças muito mais novas. No nosso caso com Alyson isto não ocorreu muito, apenas no sentido de querer dormir junto conosco, de querer ser levado de “cacunda” (apesar da idade, do tamanho e peso), de fazer birra, chorar e até espernear, e de ter um comportamento mais infantil quando na companhia de crianças menores.
Nas primeiras semanas, mexia muito nos armários e gavetas, procurando conhecer e tirando coisas que interessavam a ele. Meses depois ele devolveu grande parte dessas coisas. O pedido de dormir junto veio logo na primeira noite em nossa casa. A solução foi permitir que dormisse em um colchão no chão no nosso quarto, mas não na mesma cama, deixando claro que era uma exceção.
Durante os primeiros anos, de vez em quando, talvez uma vez a cada mês ou dois meses, ele ainda pedia para dormir em nosso quarto. Agora não pede mais. Fomos passar duas semanas de férias em Balneário Camboriú no Natal e Ano novo daquele ano (2011). Ficamos num apartamento alugado. Alyson fez amizade com uma família no mesmo andar do prédio que tinha um filho mais novo que ele.
Também, dois amigos nossos passaram parte das férias junto conosco, de modo que o Alyson teve várias pessoas com quem conversar e sair, além de nós dois. O tempo foi chuvoso, mas aproveitamos o máximo possível para sair e passear.
Nesse período de convivência mais próxima, as dificuldades no relacionamento que surgiram eram no sentido do Alyson desobedecer, responder de forma mal educada e ter momentos de birra acompanhados de choro. Não eram situações constantes e tivemos ótimos momentos juntos também. Alyson diz que as férias foram o melhor momento que teve até então com os seus pais.
Todo ano desde 2011, durante as férias de fim de ano fazemos nosso planejamento pessoal para o ano seguinte. A metodologia envolve dois passos: uma análise “FOFA” – de Fortalezas e Fraquezas pessoais e Oportunidades e Ameaças externas.
Nesse período de convivência mais próxima, as dificuldades no relacionamento que surgiram eram no sentido do Alyson desobedecer, responder de forma mal educada e ter momentos de birra acompanhados de choro.
Em cima disso, é feito um plano a fim de aproveitar as coisas boas identificadas e achar respostas para as coisas ruins no decorrer do próximo ano, na medida do possível. Cada um faz seu planejamento individual e em seguida é feito um planejamento só do casal. Mostramos para Alyson e o ajudamos a fazer o planejamento dele também..
Na segunda semana de janeiro, fomos para Montevidéu (Uruguai) para a defesa da tese de doutorado do Toni. Também nos acompanhou na viagem uma das “avós” adotivas do Alyson, a professora Araci. Alyson e Araci se deram muito bem e foi aí que surgiu uma diferenciação no comportamento do Alyson, que um dia chegou a dizer “Avó é para obedecer, pais são para desobedecer”.
Dito e feito, com a Araci ele se comportava perfeitamente, enquanto conosco continuava testando limites, às vezes desobedecendo e respondendo.
Logo não chorava mais e foi saindo do quarto para pedir desculpas e conversar. Agora muito dificilmente é mandado para o quarto.
De volta ao Brasil, foi num desses episódios de desobedecer e responder que surgiu o “contrato” ou “combinado”. Inicialmente, o castigo que demos ao Alyson foi de ficar no quarto dele em “reflexão” sobre o acontecido. No início ele chorava e se comportava como uma criança menor. Parecia que só entendia quando gritava com ele e botava de castigo. Sem dúvida, uma herança das convivências anteriores.
No entanto, a mudança não demorou. Logo não chorava mais e foi saindo do quarto para pedir desculpas e conversar. Agora muito dificilmente é mandado para o quarto, e em vez disso há um tipo de “reunião familiar” para discutir o que aconteceu e achar soluções. Foi nessas conversas que se estabeleceram as “cláusulas” do contrato, que foi feito por escrito e assinado.
Para cada situação, conversamos juntos o que estava aceitável ou não e qual seria o “castigo” em caso de repetição. Logo foi criado um sistema de multas. Conforme a gravidade da falta, a multa era maior, e era descontada da mesada do Alyson (tinha um livro caixa para isso). Tinha tabela de multas, formulário de aplicação da multa e a pessoa que aplicava, e o próprio Alyson assinava.
O contrato foi incorporado ao planejamento do Alyson feito na virada do ano e inicialmente todo o documento foi revisto uma vez por mês e modificado conforme necessário.
*Toni Reis é pós-doutor em Educação, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, pai de Alyson, Jéssica e Filipe e marido do David
Se você perdeu o começo dessa história, veja a Parte 1, a Parte 2 e a Parte III clicando no negrito.