Dois pais homoafetivos e três adoções necessárias (Parte VII)

Por Toni, David, Alyson, Jéssica e Filipe Harrad Reis*

Quando Alyson começou no 6º ano da escola, ele não ia muito bem em Português e precisava fazer reforço. Para ajudar neste processo, foi incentivado a ler três livros por mês e a fazer uma breve resenha do que entendeu da história, o que aprendeu e o que tinha a ver com a vida dele. Alyson criou um blog, “Resenhas do Miguel”, e começou a postar suas resenhas lá. Hoje o blog tem mais de 130 posts.

Durante o ano de 2013, Alyson desafiou o pai Toni, dizendo que queria ler apenas dois livros por mês, e que em vez de ler o terceiro livro ele iria escrever um livro. Dito e feito! Até o final de 2013 ele terminou o livro e foi aceito para publicação por uma editora de Curitiba. O livro “Jamily a holandesa negra: a história de uma adoção homoafetiva” foi lançado em agosto de 2014. Desde então, escreveu outro livro, “Kayke o menino transformado”, que está aguardando editoração, e já está iniciando o terceiro livro sobre as peripécias da adolescência.

Para nós, Toni e David, foi um ano de muita aprendizagem, uma vez que estávamos sendo pais pela primeira vez. Crescemos como pessoas e ficamos muito felizes de formar uma família com Alyson. Valeu a pena a adoção tardia. Para completar nosso sonho, só faltava adotar uma filha!

Crescemos como pessoas e ficamos muito felizes de formar uma família com Alyson. Valeu a pena a adoção tardia. Para completar nosso sonho, só faltava adotar uma filha!

Passaram-se dois anos e alguns meses e pouco antes da Páscoa de 2014 recebemos um comunicado do serviço social da mesma Vara de onde veio o Alyson no Rio de Janeiro, convidando para conhecer a Jéssica, que acabara de completar 11 anos. Tinha um porém: ela tinha um irmão, Filipe, de 8 anos, e não podia ser separada dele.

Fomos os três, Toni, David e Alyson, passar cinco dias com Jéssica e Filipe durante a Páscoa. Tivemos a felicidade de poder ficar no apartamento dos nossos amigos gays que Alyson conheceu quando da nossa primeira visita a ele em 2011 e que passaram a ser os padrinhos dele. Eles também estavam com a guarda de um menino e uma menina. Mesmo assim, num gesto muito nobre, abriram a casa deles para nós três e mais a Jéssica e o Filipe, mesmo não conhecendo e não sabendo se o processo iria dar certo ou não.

Deu certo e foi com muito choro que nos separamos de Jéssica e Filipe no final da primeira visita. Filipe falou “isso é o pior dia da minha vida. Gostei de vocês e agora vocês vão me deixar e ir embora”. Em menos de duas semanas fomos para lá de novo e passamos mais cinco dias juntos no feriado de 1º de Maio. No final da visita ganhamos a guarda provisória de Jéssica e Filipe e retornamos os cinco para Curitiba.

Jéssica luta como uma garota

A adaptação com Jéssica e Filipe tem sido muito mais harmoniosa do que com o Alyson, talvez por Jéssica e Filipe estarem juntos. Fizemos um contrato básico com eles e uma rotina diária para os três. Tem funcionado muito bem e não precisamos agir com o mesmo rigor que tivemos que agir com Alyson. Além do contrato e da rotina diária, há outros documentos que são utilizados de vez em quando com os três filhos quando necessário:

 

  • o planejamento anual: neste documento definimos nossa Missão (razão de vida) e nossos Princípios (uma regra fundamental, norma de conduta, modo de ver e de ser). Em seguida, fazemos a análise FOFA – fortalezas (nossas), oportunidades (externas), fraquezas (nossas), ameaças (externas). Com base na análise, planejamos como vamos aproveitar as fortalezas e as oportunidades e como vamos trabalhar as fraquezas e enfrentar as ameaças;
  • o TAC – Termo de Ajuste de Comportamento: quando ocorre alguma situação que não é aceitável para os pais, a criança escreve o que fez de errado, analisa por que fez, escreve como vai tentar evitar que ocorra novamente e, conforme for, define a forma de reflexão sobre o que fez (ex. ficar 2 dias sem poder assistir TV, ficar 2 dias sem o celular). Toda a família assina o Termo. Se o comportamento ocorreu em outro lugar, como a escola, por exemplo, o Termo vai também para assinatura do/da pedagogo(a) ou professor(a) que reclamou;
  • o TCLE – Termo de Comprometimento Livre e Esclarecido é o compromisso assumido com ciência pela criança. Está concordando em assumi-lo.
Filipe de celular novo na mão conquistado com boas notas na escola

Os três filhos falam de boca cheia que nas comunidades onde moravam antes a “regra era não ter regra”. Neste sentido, houve um certo choque de cultura quando vieram morar conosco e terem limites e regras a seguir. Depois de mais de dois anos juntos, já se acostumaram com as regras e estamos convivendo muito bem como uma família. A experiência da adoção tardia foi um aprendizado bastante profundo, mas não nos arrependemos.

A sentença de adoção de Jéssica e Filipe foi proferida em maio de 2015. No entanto, só para variar, houve um recurso por parte da Defensoria Pública, de modo que foi somente no final de junho de 2016 oficializada a adoção e recebemos as novas certidões de nascimento deles. Neste processo, tivemos muita ajuda do movimento dos grupos de apoio à adoção e, em especial, dos padrinhos do Alyson, que finalizaram o processo da emissão das novas certidões.

Os três filhos falam de boca cheia que nas comunidades onde moravam antes a “regra era não ter regra”. Neste sentido, houve um certo choque de cultura quando vieram morar conosco e terem limites e regras a seguir.

Inclusive, quando as certidões chegaram, inauguramos em nossa casa um quadro com o documento oficial da nossa união, as certidões de nascimento de Alyson Miguel Harrad Reis, Jéssica Alice Harrad Reis e Filipe Augusto Harrad Reis.

Colocamos o quadro num lugar bem visível na sala, para que todos os dias possamos vê-lo – e o que representa – e pensar que valeu a pena não desistir.

*Toni Reis é pós-doutor em Educação, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, pai de Alyson, Jéssica e Filipe e marido do David

Se você perdeu o começo dessa história:

Parte I

Parte II

Parte III

Parte IV

Parte V

Parte VI