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PRESIDENTRA

Eloá Rodrigues usa o espaço conquistado como Miss para levar militância para além da coroa

Aquela história de “muito além de um rostinho bonito” resume bastante Eloá Rodrigues. Belíssima, maravilhosa… e militante aguerrida. Além de ser a atual Miss Beleza Trans do Estado do Rio de Janeiro, levando uma importante discussão racial para dentro do concurso, ela também é a atual presidentRA do Conselho Municipal LGBT de Niterói.

É invejável a consciência de Eloá, que sabe de seu papel como negra e trans na construção de uma sociedade mais justa para todes. Por isso não para, não bastasse o cetro da beleza fluminense e a luta em Niterói, cursa também faculdade de Ciências Sociais para multiplicar as oportunidades da população que representa – e todas as outras que, de alguma maneira, sofrem vulnerabilidade social.

No imperdível vídeo acima, ela e Denise Thaynáh dialogam sobre os desafios e tensões de existir à margem da margem. Cidadãs de um Estado que nega suas existências e direitos. Entre lutas antigas e conquistas atuais, escolhem como caminho a ação-reflexão que compreende o diálogo e a troca, entre gerações de mulheres negras, como estratégia para articulação política.

Eloá: ocupemos esses espaços de luta hoje para que futuras gerações não mais sofram

E aqui embaixo tem muito mais reflexão-ação:

Como o ativismo surgiu na sua vida? O que ele representa hoje para você?

Conheci o ativismo quando em 2016 participei do projeto PreparaNem Niterói, um projeto pré-vestibular que visa a inserção de pessoas nas instituições formais de ensino, com foco em pessoas LGBTIs e em situação de vulnerabilidade. Foi o meu primeiro contato desde que iniciei minha transição, com a diversidade e a pluralidade de corpos e existências mais parecida com a minha realidade. Grande parte das aulas acontecia na sede do Grupo Diversidade Niterói (GDN), que tem um trabalho aguerrido e reconhecido na cidade, na busca da emancipação e equidade para população LGBTI.  Assim fui tendo contato mais próximo com as pautas, e passei a entender ainda mais o quão necessário é estarmos juntos na luta. Assim fui sendo inserida e passei a fazer parte da ong mais ativamente. Hoje para mim, que sou secretária de Igualdade Racial (GDN), e estou PresidentRA do Conselho Municipal LGBTI da cidade, encaro o ativismo como uma das ferramentas de transformação real em nossa sociedade, é necessário que ocupemos esses espaços de luta hoje, para que futuras gerações, não mais sofram com tanta violência por serem quem são.

Foi por isso que você optou pela faculdade de humanas?

A escolha do curso de Ciências Sociais acabou se juntando as outras escolhas que decidi para mim. O curso em si, desde a época de preparação, já era uma opção, e quando tive que escolher foi com mais facilidade.

Qual seu objetivo ao se formar? Você pretende usar seu conhecimento para ajudar outras trans?

Sem sombra de dúvidas. Estou num espaço que não é “normal” ter pessoas como eu, e reflito muito sobre a minha inserção em espaços que por vezes sou a primeira pessoa negra ou travesti, o que posso fazer para que mais pessoas  como eu, que venho da periferia, possam também ocupar (se quiserem) estes espaços de construção de conhecimento e disputas de narrativa. Por isso encaro como um desafio, estar inserida numa universidade, para continuar preparando terreno para que outras pessoas oriundas da periferia, negras, pobres, indígenas, LGBTIs possam estar aqui. Mas para além de estar aqui penso no que posso levar como devolutiva para essa parcela da população que também não quer ou não pode estar aqui. É um desafio constante.

Estou num espaço que não é “normal” ter pessoas como eu, e reflito muito sobre a minha inserção em espaços que por vezes sou a primeira pessoa negra ou travesti.

Como Miss, qual você acha que é seu papel na comunidade?

Bem, penso muito na imagem que tenho transmitido enquanto Miss. Esse lugar de destaque, referência e beleza não foi pensado para uma beleza como a minha, porque sabemos que o racismo está impregnado em todas as relações e estruturas. Mas é um desafio que tem sido muito interessante. Mostrar que para além da beleza estética( que não deixa de ser importante tratando-se de um concurso de beleza), e ter a possibilidade de mostrar que uma Miss é ser além, é ter algo mais pra oferecer, é estar dialogando e propondo avanços para garantir os direitos de sua população, no meu caso dos LGBTIs, em especial da população de Travestis e Transexuais, e também estar conectada com as questões moldam a nossa vida. E estar disposta a encarar e de alguma forma estar na linha de frente na tentativa de transformação, é nesse sentido que tenho atuado, na tentativa também de resgate da autoestima de travestis e transexuais que são deslegitimadas por não atingirem uma passabilidade ou não podem fazer uma terapia hormonal. É muito importante poder ser a representante do meu Estado como Miss, pois isso tem impactos positivos que não tem como medir. Impactos na população de travestis e transexuais negras, e da população negra em geral, pois mostra que uma beleza que foi negada e esquecida por tanto tempo hoje pode ser motivo de orgulho e representatividade, e isso importa muito. Então me sinto muito lisonjeada e tenho sentido o impacto positivo que tem causado.

Como negra e trans você deve ter sofrido muito preconceito, mas hoje está belíssima de cabeça erguida. O que você pode falar para quem sofre preconceito?

Já sofri muito preconceito, tive que driblá-los para poder estar aqui de pé hoje. Eu e muitas pessoas seguimos na luta contra o preconceito, mas esse é um processo longo que talvez a minha geração nem consiga ver. Pois somos ensinadas e ensinados a ser preconceituosos, e de tão enraizado que ele está, não vai simplesmente desaparecer da noite para o dia. Então é importante criar estratégias de sobreviver, enfrentar (quando necessário) todas essas violências. É fundamental cuidar da saúde mental, seguir juntas e juntos, criar redes de amparo e afeto, para que assim continuemos a chegar mais longe e ocupar lugares que disseram que nunca chegaríamos. Mas principalmente estarmos vivos!

Continuemos a chegar mais longe e ocupar lugares que disseram que nunca chegaríamos.

Você é otimista com relação ao futuro? Conseguiremos ter nossos direitos plenamente reconhecidos?

Sim, tento ser o mais otimista possível. Tem uns momentos que penso que não tem mais jeito ou saída, que só estamos retrocedendo. Daí penso em toda a trajetória de pessoas que trilharam e preparam o caminho até aqui. Quantas violações, negações e mortes tivemos para que hoje possamos ter a possibilidade de estar aqui? Inúmeras. Então me sinto na construção de uma sociedade melhor, mais justa e com equidade. Assim acredito muito, mas acho que nem estarei mais aqui, mas acredito no dia em que viveremos numa sociedade melhor para todos e não só para uma parcela! E ter a possibilidade um diálogo franco e aberto, num espaço seguro e confortável, pensado para discussão de um tema que é fundamental, num momento onde temos representantes do povo se propõe a deslegitimar e abrir mais uma chancela para violação de nossas existências. É mostrar que estamos na contramão, criando uma contra narrativa, e mais uma forma de dizer que estamos e continuaremos (re) existindo.

Instagram @eueloarodrigues

Redação

Redação Ezatamentchy

1 Comments
  1. Nicole

    23/09/2019 14:08

    Eloá é muito assertiva e tem consciência do caminho que vem trilhando e do seu papel… Escutá-la é sempre inspirador e nos enche de admiração! Excelente entrevista!

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