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TERESINENSE, PIAUIENSE, NORDESTINA

Podcast Tá Na Nuvem faz questão de discutir o mundo LGBT pela ótica regional e sem exotismos

A resistência característica do nordestino fez com que um grupo de amigos de Teresina, Piauí, decidisse lançar um podcast sobre diversidade sexual justamente quando o cenário político nacional recrudesceu. O “Tá Na Nuvem” é uma flor no meio da seca de conquistas de direitos que a população LGBT tem vivido sob o atual Executivo nacional.

Foi justamente para ajudar a combater esta onda de conservadorismo que tem varrido o Brasil que o podcast surgiu na internet, para dar voz a e ser ouvido por todes. Além disso, o grupo faz questão de abordar o universo local, discutindo com humor piauiense as questões mais atuais e levando em conta as especificidades nordestinas.

Lorena, Stacy Nistra, Jefferson e Kallyane comandam o papo de dão indicação de filmes e séries, ouvem, são ouvidos e abrem um canal de comunicação jovem, fresco e próximo dos LGBT teresinenses. “A intenção é que o projeto cresça para que tenhamos condições de trazer para junto de nós pessoas trans e toda sigla LGBTQIAP+, as mulheres negras e produtores culturais independentes e etc.”, conta o grupo na entrevista a seguir:

Primeiro me conta como surgiu a ideia de bocar a boca no trombone com o podcast? Qual o objetivo?

A ideia do podcast se deu pela facilidade em se criar conteúdo, vislumbramos também sua potência e como uma das mídias em pleno crescimento. Mas claro, o pano de fundo dessa ideia é algo muito mais profundo e maravilhoso, partiu de um grupo de amigos universitários que sempre conversavam sobre seu processo de desconstrução em relação às pautas de gênero e sexualidade, bem como o desafio de se afirmar numa sociedade negatória das nossas existências. O objetivo do podcast é servir como amplificador de existências veladas em guetos sociais, é para trazer de maneira leve e cômica as questões que envolvam temáticas tão “polemizadas” e que a nosso entender essa hiperpolemização vem da necessidade e do medo advindo de lugares como o ultraconservadorismo religioso, patriarcal, que se disfarça de fake news para eleger presidentes, autorizar mortes e precarizar vidas e alimentar as raízes amargas do neocolonialismo presentes ainda na modernidade, ainda, e que teme em perder “poder” e espaço.  A intenção é que o projeto cresça para que tenhamos condições de trazer para junto de nós pessoas trans e toda sigla LGBTQIAP+, as mulheres negras e produtores culturais independentes e etc.

Como é a realidade para os LGBT em Teresina?

A realidade das vidas LGTBQIAP+ de Teresina acreditamos que não seja diferente da maioria das outras capitais do Brasil, o que agrava são os ares feudais que nos cercam a todo momento, apesar de a cidade ter uma das paradas da diversidade mais antigas do País, percebemos que até pouco tempo a cidade nos via como seres “exóticos” e localizados em nossos “guetos” e “sarjetas”, até o momento em que deixamos de só festejar e passamos a buscar políticas públicas que  assegurassem nossas existências, isso passou a ser uma problemática. No ano de 2016, no Plano Municipal de Educação de Teresina, as propostas que em conferência os grupos organizados buscaram incluir nossas pautas e necessidade básicas, por exemplo, junto à Educação de Jovens e Adultos (EJA), propomos para a prefeitura formar turmas para a população trans especificamente, no entanto, a frente ultraconservadora presente na Câmara de Vereadores, tomada pelo movimento nacional anti “ideologia de gênero”, vetou em todo seu texto a iniciativas pró-melhoria da qualidade de vida da população LGBTQIAP+. Nós temos também um Plano Municipal para a diversidade, que ainda não se percebe sua aplicabilidade no sentido de execução de políticas para melhoria e seguridade das nossas vidas, pelo contrário, o que assistimos nas páginas na internet e chamadas na TV são títulos como “Travesti que se prostituía é encontrada morta”, “Homem é morto por crime desconhecido”, isso sem contar os inúmeros crimes motivados pela LGBTQIAfobia sem investigação clara, sem resultado e muitas vezes abafado pela própria família por vergonha ou preconceito de expor seu real motivo. Apesar desse cenário, vimos nos últimos anos o surgimento de figuras públicas LGBT como Pablo Vittar, Liniker, Johnny Hooker e etc. Fora canais na internet com influencers da comunidade, que trouxeram um novo gás para todos nós e criaram uma nova perspectiva de existência, resistência e mais gana de luta para nossas questões e necessidades.

O objetivo do podcast é servir como amplificador de existências veladas em guetos sociais, é para trazer de maneira leve e cômica as questões.

Quais os principais desafios que vocês enfrentam para produzir o podcast?

Para nós, o principal desafio encontrado é encontrar parcerias para nos manter produzindo e ativos no mercado, pois em nossa cidade o consumo de conteúdo digital é grande, no entanto, o velho ditado que “santo de casa não faz milagre” é real (risos). Para levar um conteúdo de qualidade, com edição, formatação de imagem para tamb´s, tudo tem sido feito através do esforço coletivo do elenco, pois ainda não conseguimos apoios e parcerias com empreendedores locais e pessoas dispostas a investir no nosso projeto. Já esperávamos encontrar esse desafio, mas quando o projeto saiu do papel e veio para o mundo real foi que de fato vislumbramos o quanto é difícil e trabalhoso e o quanto demanda tempo e investimento, ufa!!! Outra questão desafiadora para nós é ter o apoio da nossa própria comunidade, conquistar sua confiança e demostrar todo o potencial do espaço que aqui estamos criando para ser uma ferramenta de manifesto, resistência e um meio de protagonizar todas, todos e todes, até porque falamos da nossa realidade local, teresinense, piauiense, nordestina, não buscamos ser “bairristas”, mas temos ciência que o “Brasil” do influenciador sudestino não é o “Brasil” do nordestino. Não somos dóceis, fugimos do lugar de “chaveirinhos de hétero” ou do lugar de chacota ou “bobos da corte”. Nada contra quem encontrou nesse lugar seu espaço de existência, mas queremos além disso, queremos ir longe e ter demarcado nosso lugar de agentes da nossa própria história, não somente nos espaços que nos dão.

A internet tem auxiliado pessoas LGBT nesta busca por informações? Está mais esclarecida a questão ou ainda há muito a ser informado?

Acreditamos que a internet é uma potência para nossa comunidade se unir, conhecer as pautas e especificidades de todas as letras da sigla. Pontuamos que seria presunção da nossa parte pensar que a comunidade gays cis binária não tenha seu lugar de privilégio no meio social, pois seria mentira. Claro que nós LGBTQIA+ em muitas vezes reverberamos o comportamento machista e misógino do mundo cis hétero, mas no encontro, no ajuntamento de diversidades que a internet proporciona, percebemos que traz resultados positivos para essa necessária desconstrução.

Podcast está no quinto episódio

Mais informação significa menos preconceito?

Ainda há muito o que dizer, fazer, informar, sabemos que as questões ligadas a gênero principalmente. É um âmbito nebuloso para muitos, um lugar de “medo”, de “desconforto”, então acreditamos que é nesse lugar que precisamos ainda amadurecer bastante. O Brasil é o país mais nocivo para pessoas LGBTQAIP+, especialmente para pessoas trans, então há sim muito o que fazer.

Como pessoas LGBT podem conquistar seus espaços em um Brasil com este cenário político nada favorável?

Assim como negros, indígenas e outras comunidades historicamente excluídas, a nossa sempre fez um esforço dobrado, triplicado, quadruplicado para estar em espaços constitucionalmente garantidos ao brasileiro, como saúde, educação, assistência social, moradia e etc. Então já era difícil, com um presidente que autorize nossas mortes através de sua fala e atitude, ufa, o que pensar? A princípio o medo após as eleições se transformou em força, em “ninguém solta a mão de ninguém”, em energia de amor frente ao ódio, destacamos inclusive que o Podcast nasceu desse lugar de força e amor contra a intolerância e o medo provocado pelo fundamentalismo religioso que é utilizado para nos condenar “ao inferno”, para nos tornar sempre “os outros”, “os estranhos”, “os impuros”. Foi nesse lugar facilitador que a internet nos deu que nos fez ter a força para nos manifestar e dizer o que somos, não pela ótica hétero normativa, mas sim por nossas próprias palavras e existências.

Ainda há muito o que dizer, fazer, informar, sabemos que as questões ligadas a gênero principalmente. É um âmbito nebuloso para muitos, um lugar de “medo”, de “desconforto”, então acreditamos que é nesse lugar que precisamos ainda amadurecer bastante.

O que vocês têm feito na quarentena para ficar com a cabeça boa (além do pod)?

Impossível não registrar que a quarentena nos possibilitou executar o Podcast, tirar do papel e fazer acontecer de fato. Adiamos por meses devido à vida corrida do elenco, e a quarentena possibilitou que produzíssemos esse neném aqui. Mas no dia-a-dia, para nós periféricos, a quarentena tem outra característica, que é a do medo e da insegurança em relação à seguridade das nossas vidas. Alguns do elenco não pararam de trabalhar, outro precisaram se tornar freelancers por terem perdido o emprego fixo, outros com a paralização das aulas na universidade passaram a viver o medo do que poderia vir para o amanhã e a realidade desigual do EAD. Então para nós aqui na base da pirâmide a quarentena só potencializou nossos medos e angústias frente aos esforços do que já vínhamos fazendo, então o podcast passou a ser nosso refúgio inclusive para aliviar esse medo e tensão.

Agora o mais importante: qual o sonho de vocês?

Nosso maior sonho é ir além da “fama”, da “grana”, do “glamour” que talvez nem chegará, mas é de fato poder agregar as pessoas que sempre levam não, as mulheres que produzem suas subsistências, as pessoas que produzem cultura e arte. Nossa meta é um dia conseguir ter nossa própria produtora para agregar outras, outros e outres como nós que querem também ter suas vozes ecoadas, para que o mundo saiba quem somos, nossas dores e principalmente de como somos maravilhosos e que não queremos nada mais que o direito de viver dignamente.

Instagram @tananuvempodcast

2 Comments
  1. Maria

    27/08/2020 14:55

    Maravilhosos!!!

  2. Fransuelly Sabrina

    28/08/2020 09:24

    Simplesmente amo o tananuvem.muito fluente e coerente em todas as pautas.o Piauí, Teresina,o nordeste vai ganhar muito com vcs que só agregam valores para todos nós. Salve

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