DJ Lirous K’yo coloca todes para dançar pensando em divertir ao mesmo tempo em que inclui

A DJ de Florianópolis Lirous K’yo quer colocar seu público para dançar quando dá o play em seu setlist. Mas além disso, ela quer que todes se sintam incluides em sua pista, que todes se sintam à vontade para dançar e colocar os fantasmas para fora. Mas a atuação dela por um mundo com mais empatia e respeito não para por aí e inclui também atendimento a vítimas de violência – em média 70 por mês, ela enumera.

Isso porque essa escorpiana com ascendente em Leão e Lua em Touro é também assistente social – e teve seu trabalho intensificado na pandemia, quando as agressões dentro de casa aumentaram e os recursos financeiros das pessoas diminuíram. Uma atuação que tem feito a diferença para quem precisa de alimentos e outros itens básicos ou de auxílio para sair de um relacionamento abusivo.

“Tenho feito ações para ajudar as pessoas a conseguir objetos de limpeza e a comer. Na quarentena as violências contra a população LGBT se modificaram, pois como passam mais tempo em casa, quem violenta mais intensamente são os familiares”, revela à Ezatamag na conversa a seguir:

Como é a realidade para os LGBT na sua cidade?

Sou de Florianópolis e até o ano passado eu atendia em torno de 70 vítimas de violências por mês na cidade. Além de DJ, sou assistente social e coordeno uma instituição de direitos humanos de Florianópolis, a ADEH.

Até o ano passado eu atendia em torno de 70 vítimas de violências por mês na cidade

Como surgiu em você a certeza de que Lirous existia e tinha que ser mostrada ao mundo todo?

Foi em 2004 quando me aceitei como mulher, até então eu tinha muito preconceito por conta da minha religião. Eu era católica praticante fervorosa.

Menos fotos e mais trabalho. Nenhum caminho a trilhar é fácil, se você desistir outra pessoa vai ocupar o lugar que poderia ser seu.

Em qual parte do caminho a música te encontrou?

Acredito que a música vem ao meu encontro pelo sonho da minha mãe que eu fosse pianista. Desde criança eu cantava em corais e na adolescência já estava no conservatório. Meu pai sempre me apresentou músicas sacras e clássicas. Antes dos meus 18 anos eu já me apresentava em teatros cantando em corais e óperas. Em 2002 eu regi o Coral da Bibliotheca Pública Pelotense, meu primeiro trabalho enquanto regente de um coral. Vim para Florianópolis com um teclado nas costas com o sonho de voltar a trabalhar com música em 2003.

De alguma maneira ela te ajudou na construção da autoestima? Como?

A música é algo mágico. Se você for ver, somos capazes de gravar sentimentos das pessoas e senti-los através de uma gravação musical, a música me deixa claro o local ao qual eu pertenço. Foi na música que me descobri, me redescobri e me reinventei inúmeras vezes. Ela é a minha mãe profissional, sempre onde eu estou ela me acompanha como uma benção.

Vim para Florianópolis com um teclado nas costas com o sonho de voltar a trabalhar com música

Quais são suas referências na hora de colocar o povo para dançar? O que você espera da pista?

Eu toco LGBTs preferencialmente trans. Trago muito músicas que empoderem as pessoas, sou do tipo que passo horas escolhendo o set perfeito para a noite. Fico testando mixagens e passagens até que a festa seja perfeita. Eu espero que as pessoas se sintam incluídas, é o momento em que a comunidade LGBT terá voz.

A música é algo mágico. Se você for ver, somos capazes de gravar sentimentos das pessoas e senti-los através de uma gravação musical, a música me deixa claro o local ao qual eu pertenço.

Estamos todes merecendo uma boa festa depois da quarentena?

Desejo festa após tudo estar de fato seguro. Perdi parentes e amigos para a doença e é triste ver a galera não se cuidando. O que não podemos deixar é que outras vidas se percam. Vivemos em um momento em que o governo não cuida da população LGBT, precisamos fazer por nós mesmos.

Foi na música que me descobri, me redescobri e me reinventei inúmeras vezes

Artistas trans ainda precisam provar em dobro que são capazes, ainda sofrem muito preconceito?

Bastante, sempre me julgam como incapaz. Desde a discotecagem às roupas que visto. Somos muito julgadas inclusive por aqueles que deveriam nos acolher, a comunidade LGBT.

O que você diria para as artistas que estão começando e enfrentam desafios?

Menos fotos e mais trabalho. Nenhum caminho a trilhar é fácil, se você desistir outra pessoa vai ocupar o lugar que poderia ser seu. Pode não ser melhor do que você, pode nem gostar do que faz. Fora isso, sempre deve estudar muito, se renovar, ter foco de onde quer chegar e o principal, ser humilde com os colegas de trabalho. Desde o artista que você julga fodalhão à pessoa que faz a limpeza do estabelecimento. Um DJ é substituível, já os trabalhadores da base, não. A festa depende de um coletivo de profissionais e estar em uma posição de destaque não te faz melhor do que ninguém.

Vivemos em um momento em que o governo não cuida da população LGBT, precisamos fazer por nós mesmos

O que você tem feito na quarentena para ficar com a cabeça boa?

Tenho feito ações para ajudar as pessoas a conseguir objetos de limpeza e a comer. Na quarentena as violências contra a população LGBT se modificaram, pois como passam mais tempo em casa, quem violenta mais intensamente são os familiares. Escrevi alguns capítulos de livros também. Jogo muito videogame e streamo jogos para ficar conversando com a galera. Tenho um canal gamer no Facebook com o meu nome. https://www.facebook.com/lirouskyo/

Sempre me julgam como incapaz. Desde a discotecagem às roupas que visto. Somos muito julgadas inclusive por aqueles que deveriam nos acolher, a comunidade LGBT.

Agora o mais importante: qual seu sonho?

Sonho em construir uma casa de acolhimento modelo ‘casa lar’ para a população LGBT em Florianópolis com diversos serviços gratuitos à toda população.

Instagram @lirouskyo